quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

AS TELAS DE SIR RICHARDS II

Ah, que maldade
O tamanho alarde
De uma dama
Por seu anel de diamante.
Infame por frequentar
Tantas camas além da do marido teu.

"Este belo anel de brilhante,
Quem vos deu?"
"Foi o simpático marido meu."
Apático ficaria se soubesse quem te comeu,
O delegado, o embargador
E até o doutor
Que a observa distante
Obstante à outro observar,
Um com mais pudor, mais cautela
O observar de uma fria fera,
De quem planeja
E não pestaneja ao começar a valsa,
Chamando logo a dama para dançar.
A embalsa pela cintura
E dança, dança, dança sem parar.

"O marido teu, aonde está?"
"Viajando à trabalho,
Nem tão cedo irá voltar."
"Então escute o que tenho a te falar,
Me empenho em manter a imagem
E isso, vossa senhoria não poderia contestar,
Estaria disposta a manter nossa pública miragem?
Espero a música cessar
E então irei me retirar.
À badalada seguinte do sino,
À amurada do cassino
Em frente à rua estarei a te esperar.
Meu cocheiro guarda o segredo,
Não precisa se preocupar."

O enredo seguiu como planejado
E logo logo estavam lado a lado
Rumo à mansão para transar.
Ao chegar, a dama retirou
O anel de casamento,
O que o fez achar o momento inspirador.
Tanto que assim que acabou o instante abrasador,
Tratou logo de pegar o cavalete
E arrumar as tintas com louvor.
"O que estás a fazer?"
"Não vê? Irei eternizá-la."
E assim que o disse,
A assassinara com um bisturi na jugular.

Logo começou seu esporte,
Pôs o sangue em um pote
E arrancou-lhe o anular,
Depois começou a pintar
Como seus olhos se lembravam
Ao estar freneticamente por cima dela.
Então, pintou meticulosamente
Cada detalhe da garota que assassinara,
Cada pincelada dada continha tamanha experiência e habilidade
Cada pincelada ensanguentada e apaixonada era a mais pura arte.

Tarde era quando terminou a primeira parte,
O fino rosto contorcido em um gemido
Havia sido a memória que guardara da dama,
Com uma das mãos a segurar a cama.
E se vissem a tela até aí
Até achariam bela e normal,
Mas eis que ele pinta a cabeceira
E nela, prega o dedo fatal.
Com o anel nele e sangue às estribeiras.

E com esse final cheio de amargura,
Olhou sua amada com ternura
E disse-lhe "eternizada querida, eternizada,
Há eternidade maior do que a sua vida em minha tela pintada?"

Na manhã seguinte já olhava a tela
Na parede pendurada,
A admirou por alguns minutos e sorriu,
Não só para ela, mas para as outras vinte telas
Cujo sangue em seu pincel fluiu.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

A JANELA DO AVIÃO

   Uma das melhores sensações que costumo experimentar é viajar. Não só pela permanência em outro local, em conhecer outras culturas, padrões de sociedade ou beleza, ver a diversidade da humanidade ou qualquer coisa do gênero, mas principalmente pelo trajeto de avião; pela sensação de olhar pela janela e ver o quão grande o mundo é e saber que aquilo que você vê ainda assim não representa nem uma pequena fração do que ele é de verdade. A sensação de se ver livre de todo seu egocentrismo e arrogância como pessoa ou como espécie é impagável, é simplesmente mágico perceber o quão pequeno e insignificante você é dentro deste tão belo e vasto mundo. É como tirar um peso das costas. É sentir que você não é nada para o mundo e que este não lhe deve nada, assim como você não deve nada para o mundo. O mundo não espera nada de você, você não precisa atender nenhuma expectativa, você não é O ser humano, topo da cadeia alimentar ou da evolução, você é UM MERO ser humano, um ponto na vastidão do mundo. É perceber que a sociedade e todos os seus padrões não valem nada, todas as expectativas das pessoas não valem nada pois elas também são insignificantes. É perceber que você está livre de todas as pressões da sociedade, das expectativas das pessoas. A percepção da insignificância é a percepção da liberdade. 

terça-feira, 24 de novembro de 2015

POEMINHA ENJOADINHO

Bela menina do sorriso leve,
Bebe comigo mais essa cerveja
E não veja meus olhos apaixonados
De ciúmes por tolos desamparados
Pousarem leve em nossa mesa.

Me cita um poema,
Recita um autor,
Me excita,
Retira o pudor que reflita
A dor que me aflita.

Oh doce menina
Dos cabelos negros,
Oh bela Inglaterra.
Será a minha sina ver-me enfermo
Por ter-lhe em tão longínqua terra?

Me cita uma poesia
Recita uma canção
Me recria,
Me recita companhia
Para este pobre coração.

Me puxa pra cama,
Me ama num gemido
Alto e agudo
E me beija com tudo
Que tua chama tiver para oferecer.

Me cita uma memória,
Recita uma história.
Me escreve,
Me rima em versos métricos,
Me faz ser poesia.

Oh, mas que tragédia,
O barco zarpou,
Partiu de volta para a Inglaterra,
Levando minha menina para a guerra.
A guerra dos homens,
De facas, espadas, revólveres e penas,
Deixando-me fome da minha pequena
Que agora me recita silêncio, apenas.

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

SOBRE DESTINO E MATEMÁTICA

   Se eu acredito em destino? Veja bem... Não, eu não acredito. Não existe "a mulher da sua vida", "a única", ou como diria Ted Mosby, "the one". Você também não está destinado ao seu emprego dos sonhos, a fazer grandes coisas ou qualquer coisa do gênero. Nossa vida não está escrita, nós vamos escrevendo-a. Não da forma como queremos escrever, claro. Algumas coisas são escritas contra a nossa vontade, mas isso apenas prova que não somos Deuses, nós somos humanos.

   Mas apesar de não acreditar em destino, eu acredito que o universo nos dê chances e oportunidades e que cabe à nós aproveitá-las. Alguém poderia dizer, "mas eu conheci o pai dos meus filhos numa livraria, num dia qualquer que, por sorte, eu tinha algum tempo extra no intervalo do trabalho. Fui à livraria comprar um livro e lá estava ele com o mesmo livro que eu queria nas mãos, lendo-o. Fui perguntar o que ele achava do livro e agora estamos casados há vinte anos". Novamente... O universo deu uma chance e você a aproveitou, quantas coincidências do gênero não acontecem na vida e que acabam passando batidas? Imagina se você não pergunta à ele sobre o livro? Sua vida teria continuado normalmente até alguma outra chance do universo ser aproveitada, assim como o cara bonitinho no ônibus outro dia que poderia ter sido o destino, assim como a sua melhor amiga que você nunca teve coragem de revelar seus sentimentos, assim como o cara comprando um vinil do seu álbum favorito da sua banda favorita no próximo ano. E então você estaria novamente defendendo o destino dizendo que "mas se eu tivesse entrado naquela loja de música dez minutos depois eu não teria conhecido meu marido, é o destino". 

   A estatística é o verdadeiro destino aqui. Oferecendo-o diversas chances cuja incumbência de aproveitá-las cabe somente à você. Então fica aqui minha lição, faça seu destino. Não espere que o universo bata à sua porta e lhe empurre uma vida feita porta adentro. Ele pode bater à sua porta, mas cabe à você convidá-lo para entrar.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

A EROSÃO DO MEU LAMENTO

O vento levou da praia minha
Os grãos de areia fina,
Belos e cintilantes
Como pequenos diamantes.

E agora, o engolir da onda
Me assombra com o vidro que arrasta,
Deixando no rastro do meu mar
Um gosto de adrenalina a me cortar.

Que desatina e sufoca
Como uma camada de petróleo.
Que, privada pelo óleo,
Resultou na praia morta.

O vento não sabia que em mar calmo
Se decanta aço,
Não se afunda barco,
Não faz do vidro, estilhaço.

Minhas ondas são serenas,
Amenas, repudiam tsunamis e maremotos.
Os destroços que jazem no meu oceano
São dos anos engolindo vidros mortos.

Não sou maré que arrasta ou afoga,
Sou a água que esculpe a rocha,
Que, junto ao vento,
Desbrutaliza e refina através do tempo.

Mas já não há rocha para tornar-se grão
E nem diamantes para lapidar.
O chão que antes havia,
Tornou-se vidro a me rasgar.

Tudo que minha maré,
A partir de hoje,
Sem fé irá levar,
Será o vidro que matar-me-á.

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

A MAR(É)

   O mar é algo belo e misterioso. Ao mesmo tempo que pode ser calmo e sereno, pode ser mortífero e bravio. O mar não tem culpa do que arrasta, seu movimento é único e constante. Chame inércia ou conformismo, mas o que entrar na maré, o que a onda puder agarrar, o oceano aceita. Se contenta com o lixo, a poluição e os dejetos. O mar não escolhe, o mar apenas deseja. Mas as ondas não vão além daquele ritmo calmo e constante, e o seu alcance é baixo. E, se por alguma ironia do destino, o mar resolve ir além e trocar lixo por ouro, o chamam desastre e calamidade. Mas isso apenas prova que quando o mar realmente quebra a rotina, quando ele realmente abandona a inércia e a serenidade, ele vai atrás do que quer com garra e vontade, como que guiado pelo tridente de Poseidon. O mar não é a destruição do impacto, mas a suavidade do movimento, o mar é amor. E todos os turistas, os banhistas de beira-mar, todos aqueles que tomam banho de Sol mas julgam conhecer o mar, o tomam por isso, por esse conhecimento raso e pífio. Mas o mar não é orla, o mar é o fundo, o oceano inteiro. E só quem tem coragem de pôr um traje de mergulho e mergulhar sem oxigênio pode dizer que conhece o mar. Só quem tem coragem de abrir os olhos debaixo d'água pode ver a beleza que é, de verdade, o mar. Só quem aguenta o sal pode ver os peixes, as cores, toda a diversidade de vida e voltar pra falar que conheceu o mar. Mas o mundo se contenta com o conhecimento raso, a orla e a maré constante. O mundo se contenta com peixinhos, tendo tubarões, baleias e peixes-pescadores para conhecer. Há muito mar para pouca gente que quer mergulhar de verdade. Há mar para os poucos que querem mergulhar. Amar é para os poucos que querem mergulhar.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

CALMARIA

Gosto de mar sereno,
Que balança ao vento como rede,
Que dança e nina o meu ser
E faz o descontentamento, ameno.

Gosto da brisa suave,
Da falta de entraves da vida
E do sal que cura a ferida
Sob o piar das aves.

Sou mais maré calma,
Sou mais mar que é calmo,
Somar quem é calmo
À calmaria da minh'alma.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

MULHER

Mulher de todo jeito,
Mulher de qualquer forma,
Mulher é pra se carregar no seu peito,
Não há mulher pra se jogar fora.

Mulher que cuida da dispensa,
Que cuida das crianças.
Mulher que sustenta
Enquanto o marido descansa.

Mulher que não nasceu mulher.
Mulher com atitude, independente,
Mulher que faz o que quer
Sem precisar esperar vir da gente.

Mulher com peito grande,
Mulher com peito pequeno,
Mulheres são para todo instante,
Para qualquer homem que, por elas, seja atento.

Mulher tímida ou desinibida,
Mulher ao natural ou que se arrume,
Mulher que goste de bebida
Ou até mesmo que fume.

Mulher pra quem tiver amor pra dar
E anel pra dividir.
Até mesmo àquelas que não querem casar,
Que só preferem se divertir.

Mulher do cabelo enrolado,
Mulher do cabelo liso,
Preto, loiro, ruivo ou pintado,
Mulher pra qualquer sorriso.

Mulher gordinha ou magrela,
Mulher com corpo de violão,
Não importa a forma ou o número dela
Quando o que pesa é o coração.

Mulher com cor de café,
Mulher com cor de leite,
Não importa qual cor que é,
Qualquer mulher é um deleite.

Mulher para uma mulher,
Mulher para um homem,
Mulher para quem ela quiser,
Para quem a faça se sentir mulher.

Mulher para ser mulher do jeito que ela quiser,
Você pode negar até a morte
Ou mudar com a maré,
Mas sua vida de nada seria, nada valeria,
Se não fosse por uma mulher.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

RATOEIRAS

Nas ruas os homens estão correndo como ratos.
De quê ratoeira estamos correndo?
Para qual ratoeira estamos correndo?
Cadê o sagrado queijo de amanhã?
E todos os donos de corporações,
Todos os chefões e superiores de mesa de escrivaninha
Estão sentados como gatos entediados,
Com suas caudas abanando,
Derrubando funcionários da mesa com suas patas.
Para qual ratoeira estamos correndo?
De quê ratoeira estamos correndo?
Subjugados entre os canos
Da moradia de um ser humano qualquer.
"Querido, está ouvindo esse barulho nas paredes?
Acho que temos ratos!"
Acho que temos ratos, cavalheiros,
Acho que somos ratos.
Mas de que ratoeira estamos correndo?
Para qual ratoeira estamos correndo?
E nós, com nossos focinhos e bigodes tremendo,
Tentamos apalpar e reconhecer nosso ambiente,
Mas o mundo é muito rápido para essas calmarias e reflexões
E os gatos espreitam a toda esquina
Com suas garras e seu tédio infinito
Querendo usar nossas vidas
Como entretenimento.
"Querido, está ouvindo esse barulho?
Acho que somos ratos.
Mas de que ratoeira estamos correndo?
Para qual ratoeira estamos correndo?"

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

ALGUÉM

Alguém, que
Do fundo de um salão mal iluminado
Recite-me Shakespeare.
Alguém, que
Do alto de uma montanha nebulosa
Cante uma bela serenata em falsete.
Alguém, que
Com apenas um cadeado,
Se tranque à tantas chaves quanto uma virgem insegura.
Alguém, que
De um gramado frio e deserto,
Aponte-me as constelações de um céu noturno.
Alguém, que
Saiba me embriagar
Como o mais rude dos taberneiros.
Alguém, que
Ao fechar os olhos em sono,
Evoque a paz celestial dos anjos.
Alguém, que
Saiba adoçar meu café matinal
Com o mais doce e sincero sorriso.
Há tantos alguéns aí fora
Para um ninguém como eu.

segunda-feira, 31 de agosto de 2015

MEMÓRIAS SAUDOSAS DE UM ROMANCE INACABADO

Até hoje me recordo da doce mulher
Que por uma semana
Invadiu-me a casa e a cama.
A semana era nosso prazo de validade,
Pois o destino, dotado de maldade,
Fizera o desatino de fazê-la de outra cidade.
Ou talvez até fizesse-me um favor,
Pois, ao contrário, a memória perderia a cor,
E a lembrança do sexo insano
Já não me traria a mesma ânsia ou encanto.
Ela ficou o tempo que deveria ficar,
Até que o vento tratou de devolvê-la ao seu lugar.
E, assim, a memória permaneceu intacta
Assim como a beleza de nossa história,
Pois o tempo apenas mata.
Ela partiu antes que o tempo pudesse estragá-la
Antes que o convívio pudesse entediá-la.
Fazendo com que esse pífio poema
Seja doce e saudoso
Ao invés de doloroso ou rancoroso.
A falta de um desfecho
Fez com que a lembrança do seio e do beijo
Permanecesse doce eternamente,
Impedindo que a foice do tempo
Ceifasse este meu saudoso lamento.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

NERUDA

    Depois de uma viagem de quase três semanas pelo Chile, eu vejo o que você tanto amava no lugar... As paisagens tão belas, esculpidas pela mão do divino; as altas montanhas com seus cumes de neve em pleno verão, os lagos cristalinos, esmeraldas; as matas, reservas naturais, florestas... Ah, o verde! Todo o verde e o azul do chile me encantaram! Isso sem contar os pinguins, as lontras, os pássaros, as uvas e o vinho, o tão famoso vinho chileno.

    Te entendo, meu bom mestre, e compartilho a mesma paixão por esta imaculada terra. É apenas uma pena que não pude visitar teu túmulo, olhar a praia de Isla Negra e ver o que você viu tantas vezes antes de escrever um poema. É uma pena que não pude botar uma garrafa de vinho ao seu lado e bater um papo. Foi um ser que tanto expressou pelo amor e pela natureza que eu sinto que tudo que eu poderia conversar sobre você seria apenas ouvindo, não ousaria abrir a boca pra discutir poesia contigo, apenas ouviria e aprenderia o que apenas teus livros não podem ensinar. Mas em uma coisa poderíamos trocar palavras, o amor, pois qualquer homem, independentemente de poeta, música, classe social, ou qualquer coisa... Qualquer homem pode levantar-se para discutir amor.

    Invejo os que puderam debater tão nobre sentimento com você, eu teria tanto para conversar. Você falaria Matilde e eu falaria Rayanne, iríamos comparar esse divino bem-estar que é o amar e sentiríamos pena dos que não sabem amar, dos que não tiveram a sorte, assim como eu e você, de achar o amor verdadeiro. Você me diria que "Dois amantes felizes não tem fim nem morte, nascem e morrem tanta vez enquanto vivem, são eternos como é da natureza." E eu tentaria chegar aos pés declamando que "o amor é o sentimento mais nobre do homem, é uma faca de dois gumes para os que não sabem amar, é o veneno que mata ao primeiro beijo. Mas, para os sábios, os humildes, para aqueles amam a pessoa independentemente do eu, é o santo graal, a fonte da juventude a dar vida nova por cada olhar apaixonado". Você, com sua poesia anciã e de barbas brancas, riria da poesia engatinhada, mas talvez concordasse comigo, pois, afinal, sabemos que o amor é o maior sentimento que podemos ter.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

NÓS

   O chato de se querer um relacionamento estável é vê-lo sendo jogado na sua cara constantemente. Nas ruas, nas propagandas, seus amigos, mas principalmente a TV. Todas as séries, filmes e até mesmo os livros esfregam na sua cara a felicidade, a estabilidade, a tranquilidade, todo aquele romantismo e aquele amor. Os casais clássicos de filmes franceses passam abraçados em paisagens invejáveis e riem da sua cara. Mas o que é mesmo o amor? Uma pessoa fria e vazia como eu não poderia mais responder. Mas seja lá o que for, eu o desejo. Desejo a casa no campo, o fim de semana na praia, os jantares românticos, os sorrisos, os beijos, os olhos, as mãos. Estou cansado do sexo sem significado, do sexo animalesco que só satisfaz seus desejos carnais e animais. Eu sinto falta de poder dizer "eu te amo" no final de uma transa. Sinto falta da rotina. Eu quero o que sei que não posso ter e talvez nunca mais terei: aquele romance hollywoodiano, louco, impetuoso, cheio de afeto, pureza, mas com um toque de pornô. Eu quero a fantasia, o sonho nunca alcançado, quero a perfeição. Quero simplesmente sentir, amar, ter e me dar, ser e pertencer. Eu quero simplesmente sentir alguma coisa, qualquer coisa que me reacenda, que me lance de volta ao céu. Quero a faísca, a brasa, o incêndio inteiro. Mas quero que me sintam de volta. Quero os olhos nos olhos, os lábios nos lábios. Quero ser mais que essa casca vazia, quero sorrir por causa de alguém e ver que o sorriso dela é por mim também. Quero ser muito mais que sou, muito mais que mereço ser. Só quero poder parar de ser eu sozinho, esse eu que às vezes eu nem reconheço; quero que alguém me devolva para podermos ser um nós. Eu quero ser um nós. Não um embolado, um daqueles nós que acontece por acaso no bolso da vida. Também não quero nós muito apertados, sem espaço ou impossíveis de serem desfeitos. Quero nós bem modelados, firmes, mas que possam se desfazer e refazer, dançando no ritmo da vida. Quero nós profissionais, dignos de marinheiro com as mãos cheias de calos por amarrar cordas em mastros a vida inteira. Mas tudo que consigo é essa ironia, esse sarcasmo, esse deboche de TV, me mostrando um marinheiro dando um nó e sorrindo com triunfo, quase para zombar da minha metáfora, do meu desejo. Quase para mostrar a incongruência da vida.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O POETA E A POESIA

Minha ode à ti, poesia,
Agora é pobre.
É o reflexo da minha alma
Refletido neste espelho que aqui escrevo.
Sou um mendigo,
Um sem-teto, um miserável,
Não sou digno da tua morada.
Não enquanto peço esmolas à Quintanas e Nerudas,
Cato versos machadianos no lixo,
Me embriago de Amado,
Me drogo de Vinícius de Moraes,
Mas esqueço de ser Vianna, de ser Lobo,
Devorando vorazmente minhas próprias metáforas,
Como um canibal insano,
Deixando as rimas escorrerem de minha mandíbula
Enquanto sujam meus caninos amarelados.
A fonte da qual bebia, secou,
E minhas raízes já não se estendem
Através de alimento neste solo pobre,
Neste solo salubre e sem sonetos, sem estrofes.
Pois eu também sou o solo pobre,
Regado à Caetanos e Buarques de Holanda,
Mas cheio de sementes ínfimas, pífias,
Que brotam flores sem cor,
Sem cheiro, sem beleza.
Sou minha própria praga,
Minha própria sangue-suga.
Sou uma serpente
Comendo minha própria cauda
Num ciclo sem fim.
Sou indigno de ti,
Sou sombrio e depressivo
Mas sem a beleza de Allan Poe,
Sou vazio, simples e frio
Mas sem a dureza de Bukowski.
E pra ser poeta tem que saber carregar
O sentimento do mundo nas costas
Com a suavidade de um voo,
A gentileza de um eremita
E a naturalidade de uma folha ao cair,
Mas com o olhar de um filósofo.
Tem que ser ao mesmo tempo
Atlas, Vênus e Sócrates,
E tudo que sou é um mendigo num solo pobre.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

ÍCARO

Meti-me a anjo.
Mal aprendia a dar uns saltos
E meti-me a querer voar.
O solo era constante e frígido,
Dotado de monotonia,
Enquanto o céu era belo e sereno,
Com suas nuvens dançando suavemente,
Seus ciclos de Sol e Lua,
Seu brilho sem fim.
Meti-me a anjo e desejei o céu,
Quis o Sol para mim.
Quis ir aonde nenhum homem foi,
Queria ter o que nenhum homem
Jamais sonhou ter.
Eu poderia ter me conformado com o que tinha,
Com aqueles vôos baixos, rasantes.
Podia ter me conformado em ser ave de rapina,
Mas meti-me a anjo e quis voar alto demais.
Podia me conformar com o brilho do Sol,
Com o seu calor em minha face,
Mas não, o quis inteiro só para mim,
Desejei as queimaduras de terceiro grau.
E o que eram minhas asas
Em comparação ao fogo do Sol?
O que eram aquelas penas
Que nem ao menos eram minhas,
Coladas com cera,
Comparadas à naturalidade de um astro celeste?
O que é a pobre maquinaria humana
Frente às forças do universo,
Além de um desafio aos deuses e astros?
O Sol me pôs no seu lugar.
Eu era homem e meti-me a anjo,
Voei onde nenhum homem ousou voar
E o Sol tratou de me derrubar.
E enquanto caía,
Com minhas asas em chamas,
A cera derretida em minha pele
E minhas tão desejadas queimaduras de terceiro grau...
Por um instante...
Em meio às chamas inconstantes daquele astro divino...
Jurei ter visto o Sol sorrir.

segunda-feira, 29 de junho de 2015

SOBRE A POLIDEZ HUMANA

Pedra bruta, pedra lascada,
Pedra fundida, pedra polida,
Gente mascarada, personalidade escondida.
E de nossa selvageria
Restam só os dentes serrados,
Os dentes poidos,
Os caninos amarelados, inutilizados,
Roídos por si mesmos,
Por nós mesmos,
Pela sociedade de lixas e serras
Que dão brilho e depois consomem,
Que transformam feras em homens.
E de nossa cauda cortada
E caída no chão,
Fica apenas o toco, a marca,
A tentativa em vão
De cobri-la com roupas íntimas,
Com roupas de marca,
Fazendo-nos vítimas da grife e da prata.
Mas toda essa polidez do homem
De nada vale contra a avidez da fome,
Contra o instinto nato,
Contra o fato de que continuamos animais.
Pois por mais que se espelhe e abrilhante uma pedra,
Por debaixo de todo o brilho reluzente
Ainda jaz a fera demente,
Se rasgando e se comendo.
Que por estar presa nessa gaiola espelhada,
Vive se agonizando em eterno tormento.
Afinal, toda pedra ainda é bruta por dentro.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

NUCLEAR

You're the flame
You're the Sun.
Bright and warm,
Calling me to love you,
Licking me with that fire tongue.

And I'm almost hypnotized
With that flaming dance,
With the sweet sound of the fire's crackling.
I'm almost touching the flame,
I'm almost burning myself to the ground.

But you're nuclear,
You're a raging bomb
Waiting to explode,
Waiting to turn me into ashes,
To turn me into dust.

You're radioactive,
You can turn me into a monster,
You can turn me into someone like you,
Someone who could kill for fun.
Who could lie and deceive.

And me, darling,
I'm from the anti-bomb squad,
Asking to explode.
I'm the suicide bomber
Waiting to be forgotten.

I'm your target,
And I'm not running from you.

domingo, 7 de junho de 2015

COVA

Vivo. E, com minhas mãos em concha, abro um buraco.
Com meus pés de pá cavo uma cova enquanto ando.
Cada vez mais fundo no vazio do nada,
Cada vez mais raso no outro lado da vida.

Cavo tão fundo que posso gritar e ninguém me escuta,
Posso socar o solo e regá-lo com meu sangue que nada nascerá,
Posso até regá-lo com minhas lágrimas que o solo não salga mais.
Estou no fundo, num espaço vazio e esquecido.

Enquanto isso o mundo gira e a vida continua.
E eu vejo isso tão distante, tão distante.
Os sons, as pessoas, o mundo...
Tudo passa como um zumbido longínquo, um sussurro.

O mundo sussurra, a vida sussurra,
E isso não é o suficiente para me acordar.
Não quero esse sonho calmo e distante,
Quero a realidade, quero a superfície.

Estou no fundo de um oceano onde tudo é lento,
Tudo é distante, calmo e sereno,
Tudo é negro, frio e vazio.
EU sou frio e vazio.

Cavo cada vez mais, mas a culpa não é minha,
Os meus pés são pás, minhas mãos são britadeiras,
E não há nenhum guindaste que me puxe desse buraco, desse vazio.
Pois eu sou o buraco, eu sou o vazio.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

SOBRE O MITO DA VERDADE ABSOLUTA

   Como o título já afirma, não vou fazer cerimônias ao dizer que não há verdade absoluta, que nada é cem por cento certo ou errado, que tudo que julgamos não passa de fruto da nossa criação, ética, valores pessoais, moral, cultura, religião, pressão social ou qualquer outro motivo que seja. Li recentemente que "todos os valores que adquirimos ao longo da vida nos levam a considerar atos contrários a eles como imorais". Eu não poderia concordar mais, mas, com o perdão da palavra, vou um pouco além e dizer que não só apenas imorais ou anti-éticos mas simplesmente errados como um todo, alguns até abomináveis, se me permitirem dizer. Crescemos ouvindo uma coisa, pensando uma coisa, julgando uma coisa, que pensamos abominável aquele que pensa diferente de nós. Julgamos uma abominação os chineses comerem carne de cachorro, os indianos terem várias esposas ou os japoneses se matarem em metrôs por uma reprovação no colégio ou faculdade, mas todos eles acham, no mínimo, estranho, que não façamos o mesmo. E então, quem está certo ou errado aqui? Ninguém, eu afirmo. A verdade absoluta é um mito, um fruto do seu psicológico hipócrita e egocêntrico que se recusa a ver opiniões e atitudes diferentes como normais ou certas (quando não há nenhuma certa). Temos que parar de achar que tudo se resume a certo ou errado e enxergar mais a diversidade de opiniões e valores. Temos que ser mais abertos às opiniões, mais abertos às culturas, às religiões. Não quer dizer que não possamos discutir ou argumentar, mas que devamos fazê-lo pela mera arte da argumentação e do debate, e não impondo nossa vontade e pensamento para ninguém, tentando convencê-lo da sua verdade absoluta. Devemos aceitar mais e enxergar mais o ponto de vista alheio, todas as circunstâncias e experiências que fizeram um ser humano ser e pensar da forma que ele pensa, mesmo que para a nossa própria verdade, isso seja errado. Você não pode afirmar nem se você realmente existe, se tudo o que você vê e sente é de verdade, que sua realidade é a mesma de todos. O que garante que toda a sua vida não é a ilusão de um coma? Uma experiência divina ou humana? Um reality-show de uma vida e que, logo logo, uma porta será aberta com um alarme e toda essa mentira caia como uma cortina? O anormal pode ser normal contanto que ele seja maioria. Tente não julgar, tente abrir a mente e ver as pessoas como seres humanos individuais. Não há um normal, não há um padrão, ou melhor, há padrão, mas isso não quer dizer nada, não quer dizer que o padrão seja certo ou errado ou que haja certo ou errado. Tudo o que existe são pessoas diferentes, com criações diferentes, culturas diferentes, religiões diferentes e vidas diferentes. Tudo o que existe é a diversidade e a sua mente fechada que se recusa a aceitá-la.

domingo, 10 de maio de 2015

SOBRE A TAL ERA DO CONHECIMENTO

   Os seres humanos nunca foram tão avançados. Já enviamos robôs à marte e agora temos planos de colonizá-la, já curamos doenças ditas incuráveis e controlamos diversas outras, estendemos a expectativa de vida, sabemos como funciona a vida, os seres vivos, os movimentos do ar, da água e da terra, sabemos que somos feitos de células que são feitas de diversas outras coisas e sabemos como funcionam todas essas coisas. Nós sabemos do que somos feitos, como funcionamos e como curamos nossos defeitos de funcionamento. Mas será que nós nos conhecemos?

    Quantos aqui já pararam pra pensar "o que me define?". Quem é você? O que faz você ser você além de todas a sua organização celular e o seu DNA? Poucas pessoas param para, realmente, se conhecer, para se enxergar e ver seus próprios defeitos e qualidades, medir suas ações, seu impacto no mundo e na vida das outras pessoas. Muitas pessoas apenas vivem. Apenas seguem em frente, passo por passo, sem parar para se olhar no espelho e tentar se ler. Se perguntem sobre si mesmos, saibam seus próprios limites, sua própria ética, sua própria história que te pôs onde você está agora, que te fez ser quem é. Somos a era do conhecimento, conhecimento alheio apenas. E quando digo alheio não quero dizer necessariamente do conhecimento sobre outras pessoas. Pois nisso nós também deixamos muito a desejar.

   Nós sabemos que as pessoas na África estão passando fome, que as pessoas na Coréia-do-Norte estão sendo oprimidas, mas não sabemos nada dos nossos próprios amigos, dos nossos próprios vizinhos. Temos todo o conhecimento do mundo na palma das nossas mãos mas esquecemos de perguntar ao próximo como ele está. Nos dizemos amigos de alguém mas nem ao menos o conhecemos de verdade. Quem sabe dizer, dentro de um ciclo social, o que cada um de seus amigos pensa sobre a vida, sobre a morte, sobre questões filosóficas ou religiosas? Nós estamos muito interessados no futebol de ontem, a música de hoje e a festa de amanhã. Quem sabe sobre o passado dos seus amigos? Sobre o que cada um deles passou e sofreu para fazer deles quem eles são hoje? Quem sabe sobre a dor e a felicidade dos outros? Quem conhece os sonhos e as esperanças do próximo? Quem partilha das suas angústias ou dos seus medos?

    Nos conhecemos muito superficialmente e nos afastamos um dos outros cada vez mais. Vivemos em uma era de depressivos, de viciados, de gente com problemas de relacionamento, comunicação, insônia, socialização, enfim, vivemos em uma era de problemas sociais e psicológicos. E talvez, se parássemos um pouco pra tentar conhecer mais os próximos, ficaríamos mais próximos destes, entenderíamos mais um ao outro e seríamos pessoas mais felizes, mais realizadas, mais confiantes em si mesmas e no próximo. Então, por favor, parem de perguntar sobre a nova música que lançaram, sobre o novo filme no cinema, sobre o resultado do jogo de ontem e, ao menos uma vez, pergunte "como você está?" sem ser por mera educação, pergunte sobre a vida da pessoa, se está tudo bem ou se ela está feliz, pergunte a opinião de alguém sobre algo que seja, de fato, importante. Mas também fale de si, se exponha, se abra, deixe-se ser conhecido. Preocupe-se em ser conhecido também, em ser lembrado por ser quem você realmente é, por tudo que você lutou, sofreu e passou, por tudo que você conquistou e sorriu, tudo que você criou. Conheça o que merece ser conhecido, e, acima de tudo, conheça a si mesmo, antes de conhecer o que te cerca.

   Temos todo o conhecimento do mundo na palma da mão, toda uma possibilidade de conhecimentos do próximo na base do ouvido e a chance de sermos conhecidos na ponta da língua.

quinta-feira, 7 de maio de 2015

SOBRE AQUELE MAL DE SAGITARIANO

   É segunda, de manhã, o despertador toca e acordo com uma sensação estranha. Ah, tem uma mulher comigo. Ela pega meu celular e desliga o alarme. Levanto e vou para o chuveiro. Penso, enquanto tomo banho, no dia de ontem e sorrio por um breve momento. Foi legal, foi bom, ela é uma boa garota. Mas, por algum motivo, eu não quero vê-la novamente. Não sei se isso é culpa minha ou culpa dela. Provavelmente é minha. Eu tive um bom momento, dormimos juntos, mas e então? É segunda e tudo volta ao normal, ainda tenho que ir para a faculdade, estudar, e viver a mesma rotina entediante. Ainda a trato bem, ainda sou carinhoso e dou-lhe um beijo ao nos despedirmos, mas sei que não a verei. Foi um bom momento, sim, mas o que aquele breve momento mudou em minha vida? Nada, simplesmente nada. Me sinto vazio e mal pela garota. Não gosto de sentir que as pessoas não tiveram alguma importância pra mim, que elas não foram nada além de algo que eu usei, e que fiz tudo isso independente de quem era a pessoa. Tipo, podia ser qualquer pessoa ali, nada mudaria, não foi nada pessoal. Me sinto vazio, me sinto mal. Penso nisso durante o dia e penso "isso já aconteceu antes". Há umas duas semanas atrás, talvez, há mais algumas antes dessa, e segue assim por um tempo. Quando será que eu vou cansar dessas mulheres que não me adicionam nada? Que nada mudam em minha vida e fazem a rotina continuar a mesma? Sei que, no fundo, eu já cansei. Mas nada posso fazer, poucas coisas me interessam, poucas pessoas me interessam, a maioria é desinteressante mesmo. "É mal do signo" já me disseram, "Sagitarianos não gostam de compromisso, eles são meio galinhas mesmo". Mas não é por aí, eu bem queria um pouco de compromisso pra variar, queria um amor e uma vida tranquila, um romance contínuo que mude minha rotina ao invés daqueles fragmentos de amor que se acabam no dia seguinte. Mas como já disse, as pessoas me são desinteressantes e as que me interessam são distantes, muito ocupadas em suas próprias vidas e sonhos para me notar, e se o notam não é com o mesmo interesse que eu, é com o mesmo desinteresse que tenho por todas as outras. É a vida, acho. Não me sinto mal por isso, não me sinto bem também. Só... Vazio... Vazio até encontrar alguém que, depois de acordar ao seu lado, eu continue meu dia bem, numa rotina diferente, uma rotina nova; e possa, enfim, sorrir.

sexta-feira, 1 de maio de 2015

INSÔNIA Nº2

Os pensamentos vem aos montes,
A cama torna-se cada vez mais dura
Enquanto rolo infinitamente sobre ela.
Meu travesseiro puxa os mais profundos sentimentos,
Que dançam na minha mente
E riem de mim enquanto tento dormir.
O estresse flui, a ansiedade do amanhã
Me cobre de esperanças e medos,
A saudade bate, e bate, e bate,
E me espanca.
E eu, indefeso,
Soco o travesseiro para revidar.
Ta quente demais, ta frio demais,
Não estou coberto o suficiente,
Estou coberto demais.
Acho que no fundo eu não quero dormir,
Dormir significa acordar uma hora,
E acordar significa viver,
Encarar a rotina de novo,
O esforço duro, o cansaço.
Mas dormir também significa sonhar,
Significa ver as pessoas que não posso ver,
Ter a pessoa que não posso ter,
Aquela que me tira o sono e me invade o sonho,
Descontente e insatisfeita
De já morar em meus pensamentos diários e constantes.
OK, Insônia, você não vai vencer dessa vez.
Me levanto, pego o cigarro,
A garrafa de vinho, o papel e a caneta.
E sei que ao final disso tudo,
Dormirei em paz.

terça-feira, 21 de abril de 2015

SOBRE A AUTODESTRUIÇÃO HUMANA (SOCIAL)

   Como já explicado no texto anterior, a destruição está no nosso sangue (na verdade, na nossa psique), geralmente esse instinto é voltado para nós mesmos, mas às vezes ele pode ser externado para outras pessoas. Mas pretendo agora sair do ramo de pensamento individual e levantar uma questão mais social. E quando levamos em consideração uma sociedade inteira, ou melhor, o mundo inteiro, cheio de pessoas destrutivas e autodestrutivas?

   Não sou nenhum perito, nenhum psicólogo ou sociólogo, então perdoem-me os erros e equívocos, estou aqui apenas exibindo meu pensamento leigo. Dito isso, continuo meu raciocínio dizendo que percebo o quanto que o instinto de auto-regeneração do mundo (o mundo aqui é visto apenas como a natureza) luta constantemente contra a destruição generalizada do ser humano. Percebam que eu fiz questão de dizer "destruição generalizada", pois, ao escrever, me deparei com a seguinte pergunta: a destruição do meio ambiente seria uma autodestruição legítima ou externada? Deixo os leitores para pensarem por si mesmos, pois acho que não há um certo ou errado para essa pergunta, assim como não há verdade absoluta. Enfim, o homem, no seu instinto de destruir, destrói o mundo à sua volta, polui, corrói, queima, mata e desmata. E assim se sente vivo, sentindo-se o Deus desse mundo, destruindo conforme a sua vontade, conforme ele destrói à si mesmo.

   Óbvio que nem todo ser humano tem sua destruição relacionada ao meio ambiente e muitos ainda tentam salvá-lo, mas é óbvio que o instinto destrutivo está lá, apenas não se relaciona com o meio ambiente. Também não estou dizendo esse seja o único ou grande fator da destruição ambiental, mas acredito que seja um fator importante a se observar. É óbvio que há o capitalismo, o egocentrismo e todas essas coisas, mas meu objetivo nesse texto é falar apenas da autodestruição humana e tudo que deriva desse instinto, além de apontar algumas questões para reflexão. Dito isso, termino aqui o meu texto, uma vez que as perguntas já foram feitas e as ideias, exibidas.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

SOBRE A AUTODESTRUIÇÃO HUMANA (INDIVIDUAL)

   Freud já dizia que os seres humanos possuem tendências suicidas ou de autodestruição. Alguns mais evidentes, outros mais controlados; alguns ainda canalizam esse instinto para outros "setores" do prazer - o sexual - e o transformam em masoquismo. Muitos ainda externam isso e transformam em instinto de destruição ao próximo, agressividade ou, em poucos casos, vandalismo (não que vandalismo não seja frequente, mas não necessariamente por esse motivo). Outros, além de externar ao próximo, ainda canalizam para o sexual, os sadistas (sim, vários fetiches são explicados de forma semelhante, você se surpreenderia com alguns).

   Resumindo, gostamos de destruir, seja vivo ou não, seja nós mesmos ou o próximo, seja definitivo ou não, parcelado ou direto, não importa. Não ouse negar, você que bebe, fuma ou se droga, você se mata parceladamente, e você sabe, mesmo que no fundo (ou talvez ainda não tenha percebido), que você gosta dessa autodestruição. Você que é masoquista, você se destrói de forma pequena e sente prazer com isso. Quantos já não se cortaram? Quantos já não pensaram "e se eu morresse?" e até gostaram da ideia? E você que faz artes marciais? Que destrói propriedades alheia? Que gosta de bater durante o sexo? A destruição está no nosso sangue.

   Muitos se sentem bem com isso, muitos "se sentem vivos" ao apanhar, bater, arriscar a vida, se cortar, beber, se drogar, enfim. Precisamos sentir a perda para valorizar, e talvez seja para isso que serve esse instinto, para darmos valor às nossas vidas (mesmo que às vezes o instinto principal seja externado ou canalizado). E você, o quanto você se mata para se sentir vivo?

terça-feira, 7 de abril de 2015

AMOR POÉTICO

O poeta ama,
E esse amor nada mais é
Do que uma rima,
Misteriosa, incompleta.
Uma palavra
Buscando desesperadamente
A outra,
Mesmo que seja uma rima clichê,
Uma rima improvisada,
Terminações sem sonoridade.
Não importa,
Minha janela quer rimar com ela
À luz de velas,
Meu amor não quer rimar com dor,
Ele quer rimar com o calor do corpo dela.
E mesmo assim o poeta ama,
E chove sobre ele toda a solidão do amar,
Toda a neve na calçada
E todos os uivos dos lobos solitários
O atropelam suplicando por rimas.
E a tarde cai,
Com seu céu de súplicas
E arrependimentos.
E a noite cai,
Com seu céu de reflexões
E suas estrelas de esperança.
A alvorada vem
E banha os olhos vermelhos de insônia...
Mas o silêncio perdura...
E, ainda assim, o poeta ama,
Com toda sua caneta,
Gastando toda a sua tinta,
Fazendo dos próprios dedos
Uma dor constante
Que se assemelhe àquela que jaz em seu peito.
O poeta ama,
Ama a poesia complexa, sem métrica,
Bela, confusa, surrealista, dadaísta, expressionista,
Enfim, ama toda essa poesia
Que o mundo ousa chamar de mulher.

domingo, 5 de abril de 2015

AS FORMIGAS DO UNIVERSO

   "Toda vida é preciosa". Quantos de nós já não nos dissemos isso? Quanto de nós já não falaram isso pra alguém ao provar um ponto, ao tentar convencer ou até mesmo pra fingir ser uma pessoa melhor? Quantos de nós pensou sobre isso ao matar uma formiga? Ao matar um mosquito? "Ah, mas a formiga é só um insetinho", "ah, mas a formiga não pensa", "ah, mas é só uma formiguinha". E assim tentamos justificar nossa fama de serial killer pra ficar de bem conosco. Nos pomos num trono de superioridade por sermos seres humanos, racionais, acima de todas as espécies. Nós somos Deuses, o Mundo é nosso pra destruir e poluir, e que seja feita a nossa vontade assim na terra como no céu, como nos rios e mares. Achamos que nossa vida vale mais que a de qualquer um, achamos que estamos no centro do universo, que somos alguém importante. Mas somos apenas as formigas do universo, esperando que algum dia venha outro "ser superior" para nos pisar e desvalorizar nossa vida como desvalorizamos todas as outras. 

   E pros que acham que esse texto é sobre formigas e formas inferiores ou superiores, vou igualar um pouco as coisas... E se fosse um ser humano? Você pode dizer que nunca matou um ser humano, mas você se importa quando algum deles morre? Quantas notícias você já leu essa semana sobre mortes? Você se importou o mínimo que seja? Não, você provavelmente não quis nem saber os nomes deles, rolou a página, virou a folha, e tudo que você sabe é que 10 pessoas morreram num acidente. Você para pra pensar que o número 4 tinha mulher e filhos? Que o número 9 tinha acabado de perder os pais? Que a número 2 estava indo encontrar seu namorado? Que o número 7 ia pedir a número 1 em casamento? E que a família de todos esses números choraram e sofreram? Não, as famílias são só mais números, fazendo a quantidade de vítimas crescer em ordem exponencial ou em progressão geométrica, tanto faz pra você. Você diz ser um absurdo a guerra na Síria, a fome na África, as mortes no confronto Israel-Palestina, mas você passa de carro do lado de um acidente e não da a mínima se alguém morreu.

   "Toda vida é preciosa", preciosa para alguém, de fato. A vida tem o valor que cada pessoa dá pra cada vida. Mas a vida não tem valor universal. Vida não se mede, não se pesa na balança, vida não se compra no mercado, não se acha na esquina da sua casa, caída dos bolsos de alguém, a vida não se rouba. Mas a vida se tira, a vida se perde e a vida vai embora... A vida acaba. Então se você não valoriza todas as vidas, ao menos que valorize as que te importam, e não meça as que não te importam apenas baseadas no seu critério. Todas as vidas são preciosas porque são para alguém, mesmo que não seja você. E não importa se é um humano, um cachorro, um sapo, uma cobra, um peixe, uma formiga, uma barata ou uma árvore, cuide das vidas próximas a você. Faça valer a pena o sacrifício daqueles que perderam a vida pra você comer, daqueles que perderam a vida pra você ter papel, daqueles que perderam sua casa pra você poder ter a sua. Você não pode salvar a todos, mas você pode ao menos se importar.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

SAUDADE Nº2

Saudade aperta,
Saudade bate,
Saudade é certa,
Saudade que me mate.

Saudade é minha,
Saudade é dela,
Saudade sozinha,
Saudade bela.

Saudade dói,
Saudade não,
Saudade foi,
Saudade em vão.

Saudade que trago,
Saudade que me traga,
Saudade, que estrago,
Saudade que não para.

Saudade que arde,
Saudade, eu vou,
Saudade, que alarde!
Saudade que sou,
Soudade!

domingo, 29 de março de 2015

NINHO

Vem, deixa o tempo dizer,
Vem, deixa a onda bater,
Vem, deixa a maré trazer,
Deixa eu bater o tapete,
Deixa eu varrer a sala,
Deixa eu forrar a cama.

Fica, deixa o mundo girar,
Fica, deixa o vento levar,
Fica, deixa a folha cair,
Deixa eu soprar a poeira,
Deixa eu fazer um café,
Deixa eu bater a cinzas.

Vem, apaga as velas e faz um pedido,
Que o meu já ta aqui.
Fica, deixa as cortinas abertas
Que é pro mundo ouvir.
Deixa eu te amar
Sem medo de sumir.

quarta-feira, 25 de março de 2015

NOITE DE INSÔNIA

A madrugada vem,
Chega e traz consigo a insônia,
Minha velha companheira.
A madrugada vem,
Tirando suavemente a sobriedade
E dando-me aquela leve ebriedade sem álcool,
Fazendo-me desejar o álcool ou a droga
Que me tire a sobriedade de vez
E me de uma noite aconchegante de sono.
A madrugada vem,
Espalha as estrelas na mesa
E as pincela com a noite,
Para depois cobrir com a leve claridade do nascer do Sol,
Parecendo um quadro abstrato-progressivo.
A madrugada vem,
E traz consigo pensamentos ruins,
Coisas que eu não deveria sentir ou pensar,
Coisas que não consigo dizer
Se são realmente minhas ou da madrugada.
A madrugada vem,
A insônia fica,
O sono vai.
A madrugada parte,
E parte uma parte de mim consigo,
Levando um pedaço ao raiar do dia.
Quantas madrugadas mais serão necessárias
Até que ela complete meu quebra-cabeças?

terça-feira, 24 de março de 2015

THE HALF ONE FOR ME

To all the heaven I scream,
God, did you have to be so mean?
To put an angel in my sight,
Shining so bright
That I can't see.
Is she the one for me?

And even in this hour, so dark,
Her memory is like a mark.
Driving me crazy at each moment,
Thinking about this nonsense
That many called love.
Am I really above?

I'm not, I know,
I'm far below,
Below from this gently shine
That I dream to make it mine.
With her fragile hands and beautiful face
Making me die to prove her taste.

Like heaven she must taste
But not to prove her is hell,
So tell me, God, about your hate
That makes me die in this fire shell.
Tell me, God, could it be?
Is she the one for me?

terça-feira, 17 de março de 2015

SOBRE O MUNDO DOMESTICADO E O MUNDO SELVAGEM

   O animal estava faminto. Em seu caminho de volta à toca e aos filhotes, ele fareja... Comida... Cheiros diversos, comidas diversas. Até que ele encontra um cheiro que o agrade. Ele entra no local. Ele é um animal domesticado, civilizado, ele não está acostumado com a caça. No mundo dele tudo se consegue através da troca com donos. Compras e vendas não são nada além de trocas, o que importa é o valor que você dá ao papel. Quantos papéis vale o seu orgulho?

   O animal se senta e espera, olha para os cantos, para as pessoas conversando, olha todo o movimento com cautela e desconfiança. Até que vem até ele um prato de comida, ele o come com voracidade até se saciar. O garçom vai até ele com a conta, o bicho homem paga e deixa o recinto. Quantos papéis vale a sua fome?

   Ainda à caminho de sua toca, o homem besta se depara com fêmeas, as observa, as admira, admira o cheiro do perfume delas. O animal sabe que sua mulher está em casa, mas é instinto, é a lei da vida. O homem deve procurar mais fêmeas para procriar. Toda aquela conversa de sobrevivência da espécie, apenas para o homem se ver caído sobre a cama de uma prostituta. No mundo domesticado até para se conseguir sexo você deve trocar por algo. A lei do macho alfa não vigora aqui. Quantos papéis vale a sua consciência?

   O animal chega em sua toca e dorme. Amanhã é outro dia, e os animais civilizados trabalham duro. É tudo sobre a troca, trabalho por papel, papel pelas necessidades. E assim o bicho homem leva a sua vida, miseravelmente atrás de papéis pra conseguir o que se conseguiria de graça no mundo selvagem. No mundo selvagem é trabalho por necessidade, no mundo civilizado existe um terceiro termo no meio, mas no mundo selvagem o quanto você trabalha é diretamente proporcional ao quanto você ganha e à sua necessidade. Mas mesmo assim o animal doméstico olha com superioridade para o animal selvagem e gasta sua vida ganhando papéis que valem menos do que o seu esforço. Quantos papéis você vale? Quantos papéis vale a sua vida?

segunda-feira, 16 de março de 2015

THE BALLAD OF OUR WORLD

My love, my life, my daughter
Look at this slaughter
And run from it.

The pit and all the bodies
They're all nobodies
For all the kings.

The means, they said, is wrong,
But for the ends they've done
All of this.

His hearts are not right
And you shall might
Run from them.

And when you feel alone,
Remember, none
Will stand at their feet.

The sheets, covered in blood.
This is our world
And you must run from it.

domingo, 8 de março de 2015

A CORTINA

Há em meu quarto de dormir uma cortina,
Na verdade não passa de uma cortina improvisada:
Um lençol, uns pregadores, nada demais.
Eu, como o homem humilde que sou,
Não rogo por luxúrias desnecessárias,
Mas admito que a desejo, a cortina.
Não digo os meus farrapos improvisados,
Mas uma cortina de verdade,
Uma que me cubra e me esconda melhor,
Uma que dificulte mais a entrada de luz.
Vejam bem, eu odeio a luz,
Sou uma criatura da noite
Eternamente trancafiada em meu interior,
Eu sou o meu quarto e meu quarto sou eu.
Por isso que a cortina fica sempre fechada,
Eu não quero que o mundo me veja
E nem quero ver o mundo,
Que cheira pior que o odor de cigarro em meu quarto.
Mas maldito seja o acaso
Por me por numa situação em que tive de trocar a cortina.
E um por um tive de retirar os pregadores,
Primeiramente os de baixo
Para a cortina permanecer de pé,
Depois fui tirando os de cima
E fazendo o possível para me esconder
Atrás do que restava da cortina ainda presa
Até a cortina cair.
E por alguns segundo ela lá ficou
Até que eu a trocasse.
E durante esses míseros segundos
Eu me mostrei, fiz parte do mundo,
Eu fui o palco e o palanque,
Fui dono do mundo e servo dele,
Exibido para ele como um qualquer
Seguindo a simples rotina de trocar cortinas.
Por alguns segundos eu fui o mundo,
Mas o mundo não me foi de volta...
Reergo a cortina e reponho os pregadores,
"Eu escapei ileso do mundo",
É o que eu poderia ter dito uns anos atrás,
Hoje, eu já não digo mais.

segunda-feira, 2 de março de 2015

PORTO SUBMARINO

De que adianta teu casco em minhas águas?
Se as mágoas tragadas pela minha correnteza
Ainda jazem, dolorosas, no fundo da certeza?

Se ao veres as rosas no oceano
Não me tomas conhecimento,
Se não sabes quanto a amo.

Que de tanto ouvires a calmaria do mar,
Meu silencioso lamento em forma de serenata,
Te tornas mais amena em sua nata de viajar.

Serena, te tenho acima de todos os outros,
Mas sofro por não tê-la por inteiro,
Por ter de aguentar vê-la atracar em outro e outro porto.

Tive de suportar todos os barcos que por mim navegaram
E se juntaram aos boatos sobre um cemitério no fundo do meu ser,
Mas em nenhum hemisfério houve algum como você.

Te tenho a todo momento e instante,
Mas teu constante toque suave em minhas ondas
É o castigo incessante que sempre me sonda.

Até o lancinante dia em que eu já não mais consiga suportar,
E contarão em terra que viram o SS Anne naufragar,
Tragado pelo mais violento e desesperado beijo do oceano,

Destinado pelo tempo a passar,
No fundo do mar, o resto de seus anos
Curando os danos do oceano por tanto esperar.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

CRESCER

Onde estou não há voltas,
Não há retornos nem desvios.
Eu olho pra trás
E o caminho que trilhei
É substituído por uma parede,
Cada vez me empurrando mais para frente.
Onde estou não há volta.
Estou me tornando frio,
Cada vez mais lógico e calculista.
Sinto que não sou quem deveria ser,
Quem nasci para ser.
Sinto que não sou mais eu.
E sinto que isso é crescer,
Sentir o vazio crescendo no peito
Até te dominar quase por completo,
Até te tornar num grande vácuo
Onde o som não propaga
Onde a gravidade não chega,
Onde o amor não atinge.
Onde estou não há volta.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

SOBRE O MILAGRE DA MORTE

   Era um dia como qualquer outro, eu andava pela rua quando avistei um caminhão ao longe, vindo no meu sentido. Eu paro e penso "e se ele me atropelasse? E se eu morresse aqui? Agora?". De repente eu percebo que de fato eu a desejo, a morte, desejo seu beijo frio de uma forma que nunca desejei o beijo ardente de nenhuma de minhas amantes. Me pego sentindo um desejo quase involuntário de ir em direção à pista, o caminhão já está se aproximando. Eu fingiria que tropecei e morreria sem muita dor, ou pelo menor sem senti-la por muito tempo, ninguém precisaria saber que foi suicídio.

   E meu único arrependimento seria não ter deixado uma carta ou um aviso, ninguém teria seus últimos momentos comigo sabendo que foram últimos. O que será que diriam? O que será que fariam? Você é outra pessoa quando morre, mais amada. Esquecida. Quando se está pra morrer as pessoas te reconhecem, te dão valor. A morte é mesmo um milagre tão belo quanto a vida.

   Quando menos me dou conta eu já tropecei e o tempo começa a desacelerar, tudo caminha devagar, quase parando. Vejo meu corpo indo de encontro ao asfalto enquanto o caminhão vem de encontro ao meu corpo. O motorista buzina e tenta jogar o caminhão pro lado oposto para evitar o acidente, mas não havia nada que ele podia fazer, não foi acidente algum. Eu me sinto mal por ter dado aquele fardo para o motorista, ele iria viver achando que tirou uma vida. Eu deveria ter pensado nisso. Estou morto e mortos não lamentam.

   A minha vida passa como um flash na minha mente e vejo que não havia nada para se ver, todos os caminhos levariam a isso em algum ponto. Penso que se contratassem um bom diretor, minha vida até daria um bom filme. Penso em quem viria pro meu enterro, penso se teria pessoas que eu jamais esperaria. Imagino se meu cachorro uivaria seus lamentos no momento da minha morte. Penso em quanto tempo vai levar até que todos me esqueçam por completo e minha lembrança não traga nem ao menos uma alfinetada de dor ou mágoas. Eu não peço lágrimas. Peço apenas o perdão pelo meu egoísmo, causar dor à alguém nunca foi meu desejo. Mas eu estou morto e mortos não lamentam.

   O meu corpo bate no chão, o caminhão bate no meu corpo e passa por cima dele com suas rodas imensas e pesadas. "Eu estava certo", foi a primeira coisa que pensei enquanto olhava o céu e sentia a vida se esvaindo do meu ser, "eu não sinto dor". O céu estava alaranjado, o Sol se punha e minha vida estava se pondo em conjunto. Saldo o Sol pelo dueto e juntos saldamos o público. As cortinas estão fechando e pessoas começam a aparecer no espaço restante da minha visão. "Vocês estão estragando o meu momento", pensei. As cortinas se fecham, ninguém aplaude. Estou morto e mortos não querem glória, mortos não sentem dor.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

SINFONIA EM AMOR MAIOR

Sou o mais sortudo dos músicos,
O mais sortudo dos amantes
Por te ter em minhas mãos,
Dedilhar-te toda e poder compor tão bela música.
Ouvir as notas mais graves ficando mais agudas
Conforme a música avança e dedilho mais rápido,
Aumentando também a frequência das notas.
Teu corpo é o mais belo dos violões,
Perfeitamente esculpido em carne e osso.
Dedilho-te e produzo em Dó Sustenido Menor,
Depois um Dó Sustenido Menor com Sétima Maior
Seguido de um Mi Maior,
Então envio todo o meu amor para ti,
E recebo todo o teu amor em retorno.
A 9ª Sinfonia de Beethoven
Teria inveja da nossa 1ª Sinfonia, nossa 1ª Sintonia.
Juntos somos uma música perfeita,
Tão trabalhada quanto Mozart,
Tão apaixonante quanto Elvis,
Tão eterna quanto os Beatles.
Somos uma Sinfonia em Amor Maior

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

VELHARIAS

Sou um amante do antiquado,
Amo os papéis, canetas,
Livros e cadernos.
Não gosto de ler através de telas,
Gosto da textura dos papéis
Sobre meus dedos,
O cheiro de livro novo,
De livro velho,
As páginas amareladas...
Não gosto de digitar,
Gosto da tinta, dos dedos sujos,
Gosto das canetas tinteiro,
Das máquinas de escrever,
Gosto da pena,
Mas não de uma tela de computador.
Sou um lobo farejando papéis,
Com meus caninos sujos da tinta
Que escorre da minha boca.
Sou um amante do passado,
Do Arcadismo, Romantismo,
Da Belle Epoque e da Bossa Nova.
Sou o zumbi do Elvis,
Um Lennon incompreendido.
Sou as olheiras de Allan Poe,
Um pedaço esquecido da lógica sherlockiana.
Sou a paisagem de Monet
Nos olhos de Dali.
Sou o cristo me crucificando,
Martelando pregos em minha mão
A cada toque nas teclas de um teclado.
Estou pagando meus pecados pra reviver três séculos atrás.
Meus pregos são penas,
Meu sangue é tinta,
Escorrendo dos meus caninos esfomeados.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

SOBRE UM CANTO ESPECIAL DA MINHA PRATELEIRA DE MEMÓRIAS

Me dói dizer, pensar,
Admitir e aceitar,
Mas me dói mais saber
Que nosso tempo é curto,
Que nossas poucas horas juntos
Não são nada
Perto das horas restantes do ano,
E que logo se perderão
Em meio a rotina angustiante
Das horas monótonas
Que não se comparam
Às horas com você.
E tudo o que me resta fazer é aceitar,
Parar o relógio
E fotografar estas rápidas horas,
Guardá-las na minha tão imensa
Prateleira de memórias e lembranças,
Torcendo e esperando
Para que ela não se perca,
Não seja coberta de poeira
Ou até mesmo seja danificada
Com o menor dos danos,
Mudando o ponteiro em 15º
Para a direita ou esquerda
Distorcendo toda a memória
E fazendo-a parecer deformada e confusa.
Eu não quero perdê-las,
Não quero perdê-la.
Ao contrário, queria prolongá-las
De forma que ocupasse uma prateleira inteira
Ao invés de apenas um canto dela.
Mas me dói dizer, pensar,
Admitir e aceitar,
Me dói ainda mais saber
Que isso não vai acontecer.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

SIMETRIA

Depois de provar da tua língua
Este teu tão doce mel,
Ter de engolir o fel de bocas alheias
É como sentir o céu se esvair de minhas veias.

Sinto tua teia a cobrir-me
No lugar do cobertor
Toda vez que estou a divertir-me
Com o amor de outros corpos.

Sem ti sou um barco a rejeitar outros portos,
Eternamente a atracá-los e logo deixá-los,
Nunca preso, nunca a amá-los,
Sempre a esmo, sempre a abandoná-los.

Bebo de tantos gargalos e permaneço sóbrio,
Apenas o teu tirava-me o ócio
E dava-me a minha almejada ebriedade.
Esta sempre fora a minha realidade.

E agora ela se esvai,
Arde e me queima o coração dilacerado,
Vai tornando-o em cinzas mal cheirosas,
Tornando a rosa em cravo.

E depois de tantos beijos dados e roubados,
Depois de tanto sentir meus lábios ultrajados
Por bocas sem sal e línguas convulsas,
Criando beijos disformes e desencaixados,
Concluo que meu beijo fora moldado para teus lábios.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

INSÔNIA

Me deito, me reviro,
No âmago do meu ser
Eu sei que algo está errado.
"Inspira, expira...
Não pense mais em nada."
Começo a imaginar o movimento...
Inspira... E expira...
E de repente são os seus seios
Que me vêm à mente,
Inspirando e expirando.
Apago mais esse pensamento,
Viro para o outro lado
E abro os olhos por um rápido momento.
Não, você não está lá.
Começo a contar carneirinhos
E todos eles possuem a sua face.
Desejo me enroscar na sua lã
E deixar você me levar pra além da cerca.
Desisto, ligo o computador
E escolho uma música,
Mas todas elas falam de você.
Vou na cozinha, abro uma cerveja
E vejo seus olhos quando chego ao final da garrafa.
Volto para a cama...
É você aquela pequena aranha no teto?
São seus os olhos me encarando do meu poster?
O reflexo no meu espelho também é seu?
Me parece que não há outra saída
Você está em todo lugar
Menos onde mais deveria estar.
Nessa cama cabe mais um, sabia?

sábado, 17 de janeiro de 2015

PESCA(DOR)

Deixa mulher e filhos
Desprotegidos na calada da noite,
O vento bate como um açoite
Ao cantar dos grilos.
Ê pescador, ê pesca dor.

Arrasta sua jangada na areia
E parte para talvez não voltar
Encontrado no fundo do mar
Morto por um beijo de sereia.
Ê pescador, ê pesca dor.

E quando as ondas começam a quebrar
Ele olha pra trás e pensa na mulher dormindo,
Os filhos sorrindo
Ao ver o pai voltar.
Ê pescador, ê pesca dor.

Jogando sua rede aberta de esperança
Na busca do peixe para obter o pão,
Esperando o milagre cristão
Apenas para ver quebrada sua ânsia.
Ê pescador, ê pesca dor.

Mas ele não desiste não,
Joga novamente sua rede,
Crente de que vai matar a sede
De obter seu ganha-pão.
Ê pescador, ê pesca dor.

E quando vê os peixes se debatendo
Já vai pensando meio cedo
No sorriso sem medo
Ao ver as crianças comendo.
Ê pescador, ê pesca dor.

Sua alegria é o vento no rosto,
A felicidade que a família exprime
Ao botar o pé na terra firme
Quando passado o sufoco.
Ê pescador, ê pesca dor.

E já no fim da tarde
Vai pra algum lugar indecente
Beber aquela velha aguardente
Que bate e tanto arde.
Ê pescador, ê pesca dor.

Mas hoje, quando voltou com o peixe no raiar do dia
Bateu com uma tempestade em alto-mar
E jangada acabou por virar
E acabar com todas as alegrias.
Principalmente da família que tanto viria a chorar,
Ê pescador, ê Iemanjá.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

O REI DO CASTELO TOMBADO

Ele permanece com sua pose real,
O peito estufado,
O sorriso fácil,
A coroa simples exibida para todos.
Ele nunca fez questão de ouro ou prata,
Por mais que pudesse pagar por todo ouro do reino.
Mas mesmo assim exibia sua bela coroa
E estufava o peito com seu título de Rei,
Mesmo que o castelo seja apenas um fantasma de outrora.
A muralha forte e impenetrável ainda de pé,
Os portões fixos, bem sustentados,
O castelo por fora ainda mantinha sua beleza,
Ainda mantinha o esplendor dos tempos passados.
Mas quando o Rei voltava para o seu reino,
Só ele via os móveis quebrados,
As paredes empoeiradas,
O teto cheio de aranhas.
Sempre o elogiavam...
Depois de tantas investidas,
Tantas catapultas e aríetes,
As defesas pareciam impenetráveis,
Quando, na verdade, era o interior que tomava o dano.
Agora ele senta em seu trono,
E chora com as mãos na face,
Olhando todos os seus fantasmas
Ainda apontando para a muralha
E gritando "tragam as catapultas".
Mas agora nem isso o Rei possui,
O castelo está começando a tombar
Alguns tijolos já estão fora do lugar
E os suportes dos portões estão desgastados.
É apenas uma questão de tempo
Até que sua coroa se faça em pó
E o castelo tombe,
Mostrando o que há tempos sempre fora,
Um depósito de móveis velhos e quebrados,
Um ninho de aranhas e traças
Cheio de poeira e fungos.
É apenas uma questão de tempo
Para que as muralhas caiam
E os invasores vejam que o castelo
Já foi tomado há muito tempo
E não há nada para saquear
Além de uma coroa velha,
Um trono aos pedaços
E a vida de um Rei de escombros.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

CAMINHADA

Eu andando e ela logo atrás,
Eu ouvia seus passos,
Às vezes mais próximos,
Às vezes mais distantes.
Ouvia o ruído irritante
Quando o som dos passos
Tornava-se mais nítido,
Acho que ela tentava falar.
Eu caminhava com a angústia no peito,
O choro batendo no rosto para sair
E tudo que eu mais tinha vontade
Era gritar, chorar,
Me virar e mandá-la sentar e ficar
Como à um cachorrinho,
Ou empurrá-la e correr.
Mas não, apenas andei.
Andei até que aos poucos
Eu fui aumentando o ritmo,
E ela, diminuindo o dela,
Até o ponto em que ela parou,
Estagnou, ficou.
Eu já não ouvia seus passos,
Ela ficou para trás.
Dizem que não sou homem
De olhar para trás ao ir embora
Ou me despedir,
Mas dessa vez,
Dessa única vez, eu olhei.
Olhei e vi meus erros,
Os erros dela,
Todos os sinais
Que eu, em minha cegueira
E em minha vontade de continuar,
Me recusava a ver.
Dizem que eu não olho para trás
Ao dar adeus, mas eu olhei.
E quando, enfim,
Toda a vontade de chorar e gritar
Se realizou, sorri.

sábado, 3 de janeiro de 2015

CHILENA

Para usted, chilena,
Escribo estas amiúdes palabras,
Estes versículos destilados
Por mis ojos ao mirar-te.

Y si hablo así con tanta pasión
És porque cada una de ustedes, chilenas,
Llamaron a mi corazón con esos finos lábios,
Com esos lisos cabelos, esos ojos seductores.

Dulce mujer de traços indígenas,
De saias e calças de tecido chileno,
Delicadas uvas de un fino viño,
Rimas incompletas de un poema de Neruda.

Para ustedes, agraciadas mujeres,
Dedico este poema de un pobre español,
Dedico a chama que ustedes acenderam,
Dedico a ustedes y a su tierras
Un pedazo de mi corazón.