segunda-feira, 31 de agosto de 2015

MEMÓRIAS SAUDOSAS DE UM ROMANCE INACABADO

Até hoje me recordo da doce mulher
Que por uma semana
Invadiu-me a casa e a cama.
A semana era nosso prazo de validade,
Pois o destino, dotado de maldade,
Fizera o desatino de fazê-la de outra cidade.
Ou talvez até fizesse-me um favor,
Pois, ao contrário, a memória perderia a cor,
E a lembrança do sexo insano
Já não me traria a mesma ânsia ou encanto.
Ela ficou o tempo que deveria ficar,
Até que o vento tratou de devolvê-la ao seu lugar.
E, assim, a memória permaneceu intacta
Assim como a beleza de nossa história,
Pois o tempo apenas mata.
Ela partiu antes que o tempo pudesse estragá-la
Antes que o convívio pudesse entediá-la.
Fazendo com que esse pífio poema
Seja doce e saudoso
Ao invés de doloroso ou rancoroso.
A falta de um desfecho
Fez com que a lembrança do seio e do beijo
Permanecesse doce eternamente,
Impedindo que a foice do tempo
Ceifasse este meu saudoso lamento.

terça-feira, 25 de agosto de 2015

NERUDA

    Depois de uma viagem de quase três semanas pelo Chile, eu vejo o que você tanto amava no lugar... As paisagens tão belas, esculpidas pela mão do divino; as altas montanhas com seus cumes de neve em pleno verão, os lagos cristalinos, esmeraldas; as matas, reservas naturais, florestas... Ah, o verde! Todo o verde e o azul do chile me encantaram! Isso sem contar os pinguins, as lontras, os pássaros, as uvas e o vinho, o tão famoso vinho chileno.

    Te entendo, meu bom mestre, e compartilho a mesma paixão por esta imaculada terra. É apenas uma pena que não pude visitar teu túmulo, olhar a praia de Isla Negra e ver o que você viu tantas vezes antes de escrever um poema. É uma pena que não pude botar uma garrafa de vinho ao seu lado e bater um papo. Foi um ser que tanto expressou pelo amor e pela natureza que eu sinto que tudo que eu poderia conversar sobre você seria apenas ouvindo, não ousaria abrir a boca pra discutir poesia contigo, apenas ouviria e aprenderia o que apenas teus livros não podem ensinar. Mas em uma coisa poderíamos trocar palavras, o amor, pois qualquer homem, independentemente de poeta, música, classe social, ou qualquer coisa... Qualquer homem pode levantar-se para discutir amor.

    Invejo os que puderam debater tão nobre sentimento com você, eu teria tanto para conversar. Você falaria Matilde e eu falaria Rayanne, iríamos comparar esse divino bem-estar que é o amar e sentiríamos pena dos que não sabem amar, dos que não tiveram a sorte, assim como eu e você, de achar o amor verdadeiro. Você me diria que "Dois amantes felizes não tem fim nem morte, nascem e morrem tanta vez enquanto vivem, são eternos como é da natureza." E eu tentaria chegar aos pés declamando que "o amor é o sentimento mais nobre do homem, é uma faca de dois gumes para os que não sabem amar, é o veneno que mata ao primeiro beijo. Mas, para os sábios, os humildes, para aqueles amam a pessoa independentemente do eu, é o santo graal, a fonte da juventude a dar vida nova por cada olhar apaixonado". Você, com sua poesia anciã e de barbas brancas, riria da poesia engatinhada, mas talvez concordasse comigo, pois, afinal, sabemos que o amor é o maior sentimento que podemos ter.

quarta-feira, 19 de agosto de 2015

NÓS

   O chato de se querer um relacionamento estável é vê-lo sendo jogado na sua cara constantemente. Nas ruas, nas propagandas, seus amigos, mas principalmente a TV. Todas as séries, filmes e até mesmo os livros esfregam na sua cara a felicidade, a estabilidade, a tranquilidade, todo aquele romantismo e aquele amor. Os casais clássicos de filmes franceses passam abraçados em paisagens invejáveis e riem da sua cara. Mas o que é mesmo o amor? Uma pessoa fria e vazia como eu não poderia mais responder. Mas seja lá o que for, eu o desejo. Desejo a casa no campo, o fim de semana na praia, os jantares românticos, os sorrisos, os beijos, os olhos, as mãos. Estou cansado do sexo sem significado, do sexo animalesco que só satisfaz seus desejos carnais e animais. Eu sinto falta de poder dizer "eu te amo" no final de uma transa. Sinto falta da rotina. Eu quero o que sei que não posso ter e talvez nunca mais terei: aquele romance hollywoodiano, louco, impetuoso, cheio de afeto, pureza, mas com um toque de pornô. Eu quero a fantasia, o sonho nunca alcançado, quero a perfeição. Quero simplesmente sentir, amar, ter e me dar, ser e pertencer. Eu quero simplesmente sentir alguma coisa, qualquer coisa que me reacenda, que me lance de volta ao céu. Quero a faísca, a brasa, o incêndio inteiro. Mas quero que me sintam de volta. Quero os olhos nos olhos, os lábios nos lábios. Quero ser mais que essa casca vazia, quero sorrir por causa de alguém e ver que o sorriso dela é por mim também. Quero ser muito mais que sou, muito mais que mereço ser. Só quero poder parar de ser eu sozinho, esse eu que às vezes eu nem reconheço; quero que alguém me devolva para podermos ser um nós. Eu quero ser um nós. Não um embolado, um daqueles nós que acontece por acaso no bolso da vida. Também não quero nós muito apertados, sem espaço ou impossíveis de serem desfeitos. Quero nós bem modelados, firmes, mas que possam se desfazer e refazer, dançando no ritmo da vida. Quero nós profissionais, dignos de marinheiro com as mãos cheias de calos por amarrar cordas em mastros a vida inteira. Mas tudo que consigo é essa ironia, esse sarcasmo, esse deboche de TV, me mostrando um marinheiro dando um nó e sorrindo com triunfo, quase para zombar da minha metáfora, do meu desejo. Quase para mostrar a incongruência da vida.

quarta-feira, 12 de agosto de 2015

O POETA E A POESIA

Minha ode à ti, poesia,
Agora é pobre.
É o reflexo da minha alma
Refletido neste espelho que aqui escrevo.
Sou um mendigo,
Um sem-teto, um miserável,
Não sou digno da tua morada.
Não enquanto peço esmolas à Quintanas e Nerudas,
Cato versos machadianos no lixo,
Me embriago de Amado,
Me drogo de Vinícius de Moraes,
Mas esqueço de ser Vianna, de ser Lobo,
Devorando vorazmente minhas próprias metáforas,
Como um canibal insano,
Deixando as rimas escorrerem de minha mandíbula
Enquanto sujam meus caninos amarelados.
A fonte da qual bebia, secou,
E minhas raízes já não se estendem
Através de alimento neste solo pobre,
Neste solo salubre e sem sonetos, sem estrofes.
Pois eu também sou o solo pobre,
Regado à Caetanos e Buarques de Holanda,
Mas cheio de sementes ínfimas, pífias,
Que brotam flores sem cor,
Sem cheiro, sem beleza.
Sou minha própria praga,
Minha própria sangue-suga.
Sou uma serpente
Comendo minha própria cauda
Num ciclo sem fim.
Sou indigno de ti,
Sou sombrio e depressivo
Mas sem a beleza de Allan Poe,
Sou vazio, simples e frio
Mas sem a dureza de Bukowski.
E pra ser poeta tem que saber carregar
O sentimento do mundo nas costas
Com a suavidade de um voo,
A gentileza de um eremita
E a naturalidade de uma folha ao cair,
Mas com o olhar de um filósofo.
Tem que ser ao mesmo tempo
Atlas, Vênus e Sócrates,
E tudo que sou é um mendigo num solo pobre.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

ÍCARO

Meti-me a anjo.
Mal aprendia a dar uns saltos
E meti-me a querer voar.
O solo era constante e frígido,
Dotado de monotonia,
Enquanto o céu era belo e sereno,
Com suas nuvens dançando suavemente,
Seus ciclos de Sol e Lua,
Seu brilho sem fim.
Meti-me a anjo e desejei o céu,
Quis o Sol para mim.
Quis ir aonde nenhum homem foi,
Queria ter o que nenhum homem
Jamais sonhou ter.
Eu poderia ter me conformado com o que tinha,
Com aqueles vôos baixos, rasantes.
Podia ter me conformado em ser ave de rapina,
Mas meti-me a anjo e quis voar alto demais.
Podia me conformar com o brilho do Sol,
Com o seu calor em minha face,
Mas não, o quis inteiro só para mim,
Desejei as queimaduras de terceiro grau.
E o que eram minhas asas
Em comparação ao fogo do Sol?
O que eram aquelas penas
Que nem ao menos eram minhas,
Coladas com cera,
Comparadas à naturalidade de um astro celeste?
O que é a pobre maquinaria humana
Frente às forças do universo,
Além de um desafio aos deuses e astros?
O Sol me pôs no seu lugar.
Eu era homem e meti-me a anjo,
Voei onde nenhum homem ousou voar
E o Sol tratou de me derrubar.
E enquanto caía,
Com minhas asas em chamas,
A cera derretida em minha pele
E minhas tão desejadas queimaduras de terceiro grau...
Por um instante...
Em meio às chamas inconstantes daquele astro divino...
Jurei ter visto o Sol sorrir.