sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

UM CONTO DE SEXTA

Eram sete da noite,
Meu quarto se encontrava denso
Da neblina do meu cigarro de maconha.
Era sexta-feira e eu não tinha nada melhor pra fazer,
Nenhuma grande expectativa
Além de me embriagar em casa
Com cervejas, cigarros e maconha.
Mas então meu celular toca,
Eu não conhecia o número
E estava chapado,
Mas por algum motivo, atendi.
Era uma voz feminina levemente reconhecida,
Que ao se apresentar, recordou-me...
Os seios fartos, os longos cabelos roxos,
Caídos até quase a bunda...
Acho que havia quase um ano e meio que não nos falávamos,
Meu interesse era mais sexual e ela não o correspondia,
Então me afastei e a esqueci.
Até que ela me liga depois de todo esse tempo
Perguntando se podia dar uma passada.
Era sexta-feira e não tínhamos nada melhor pra fazer.
Eu tinha a cerveja e a erva,
Ela tinha a vodka e o pó,
Eu tinha o pau,
Ela, a buceta.
Ela chegou por volta das nove,
Seus cabelos já não eram tão longos e agora azuis.
Conversamos, bebemos, cheiramos, fumamos,
E as ordens se perderam ao longo da noite
Conforme nos preparávamos para a atração principal.
- Afinal, o que aconteceu com você? Você sumiu!
Disse ela, sorrindo um sorriso bêbado e meio cambaleando
Enquanto estávamos sentados na minha sala.
Eu não poderia responder, quebraria todo o teatro,
Então beijei-a, desesperadamente,
Com força, como um animal esfomeado
Depois de uma carreira de coca.
Ela respondeu travando suas unhas nas minhas costas.
A deitei ali mesmo, no chão da sala
E tiramos nossas roupas,
Ficando apenas de roupas íntimas.
Fomos nos levantando enquanto nos beijávamos,
Joguei-a na parede, beijei-a mais, tirei seu sutiã
E desci minha mão esquerda para a sua calcinha
Enquanto minha boca descia para os seus seios.
Demorei um pouco ali até que ela levou-me para o quarto
E me jogou na cama, e lá fiquei,
Sentado, enquanto ela tirava minha cueca
E cobria meu pênis com seus cabelos azuis.
Eu os via subir e descer,
Imaginando-os roxos novamente,
Misturando-se ao meu roxo até fazer-me gozar.
Então puxei-a para mim,
Deitei-me sobre ela
E incorporamos os animais que nascemos para ser,
Esfomeados, Insaciáveis, Embriagados.
Nos degladiamos na cama,
Mudávamos as posições,
Ela dominava, eu dominava,
E as ordens e posições se perderam ao longo da noite
Até que ela gritou seu orgasmo final
E eu gozei novamente.
Caí ao seu lado, ofegante,
Imaginando quantos vizinhos teríamos acordado.
Era sexta-feira e não tínhamos nada melhor pra fazer.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

VERSOS DE PAISAGEM

Passarinho à beira mar
O mar beira o passarinho
O mar beija o passarinho.

Passarinho a voar
O céu voa o passarinho
O vôo vela o ninho.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

OLHOS NOS OLHOS

Olhos nos olhos,
O desejo comprimido,
A vontade expressa.
Nariz no nariz,
A sedução preliminar,
O beijo eminente.
Lábios nos lábios,
O gosto almejado,
O doce néctar da língua.
Corpo no corpo,
A dança dos orgasmos,
O gozo gratificante.

Olhos nos olhos,
A mágoa contida,
A dor visível na íris.
Nariz no nariz,
O medo preliminar,
A dor visível no perfume.
Lábios nos lábios,
O gosto amargo,
A dor da mordida seca.
Corpo no corpo,
Os mesmos velhos movimentos,
O ódio contido,
A dor do gozo pífio,
A cama vazia.

Olhos nos olhos,
Qual vai chorar primeiro?

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A ROSA E A SEMENTE

Dar-te-ei a rosa,
Para que a vejas bela,
Para que ponhas em um pote,
Para que veja murchar e morrer.
Como os amores afora,
Como os amantes de mentirinha,
Como todos aqueles que não se comparam à gente.
Então vou te dar sementes,
Para que plante elas,
Para que as veja crescer e florescer,
Ver-la-á durar.
Assim como os amores adentro,
Assim como os amantes sinceros e eternos,
Assim como eu e você.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

ISLA NEGRA

O quanto do teu sal não são versos de Neruda?
O quanto de inspiração tuas ondas já não carregaram?
Quantos sorrisos tu já não criastes?
Quantos amantes já não recitaram para suas amadas,
Graças às rimas que tuas águas contém?

Não cheguei a molhar meus pés em tuas rimas,
Não cheguei a me afogar em teus sonetos,
Não cheguei a ser tragado pela tua nobre correnteza.
Tudo o que fiz foi, de longe,
Inspirar o teu sal contido nas poesias de Neruda.

Mas, para ti, Isla Negra,
Deixo minhas frustrações
E a promessa de que um dia
Banhar-me-ei em teu mar de poesia,
Um dia sentirei teus ventos a virar minhas páginas.

domingo, 30 de novembro de 2014

VERDE

Vede o mar verde,
Verde a rede de folhas,
Olhas o verde que corre
E escorre tal é a sede da cachoeira.
Beira o verde da montanha
Que se assanha
Ao encontrar o verde do mar.
Vede que todo o verde aqui está.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

TEU

É teu o sorriso
Que rasga-me a face
De orelha a orelha,
Como um animal
Com a boca escancarada,
Pronto para devorá-la
Na primeira dentada.
É tua essa sensação
No fundo da barriga,
Essa ansiedade que me devora
Com a vontade de devorá-la.
São teus esses batimentos acelerados,
Esse amor insaciável,
Essa dor que me escancara,
Que me dilacera.
Tudo o que faço,
Tudo o que penso
Tudo o que sinto,
E tudo o que sou.
É tudo, simplesmente, teu.

sábado, 15 de novembro de 2014

TRONCO

As folhas caem no outono
E o inverno rigoroso vem.
As folhas agora são outras,
Sopradas por ventos diferentes,
Trazidos por massas de ar diferentes.
E o sal que jaz neste solo pobre
Não é o suficiente para me matar.
Mas mesmo assim eles querem me derrubar,
Eles vem com suas serras e machados,
Eles aparecem com máquinas cada vez maiores.
Mas eu sou filho de Gaia,
Sou filho da Terra.
Minhas raízes estão bem amarradas
Às minhas convicções,
Mas sempre abertas à novas,
Sempre aberta às mudanças,
À primaveras e  aos outonos,
Às chuvas e às secas.
Mas eles vem novamente,
Querendo que eu entregue a papelada,
Que eu abra espaço pra expansão.
Eles vem com lanças-chamas,
Mas eles já não sabem que as folhas são outras
Que a casca já está rígida
De todos os cortes
Que os outros casais faziam.
Eles não sabem que
Tudo que um dia me queimava,
Hoje me apaga.

terça-feira, 11 de novembro de 2014

GUIA

Até mesmo no escuro deste quarto
Tu me iluminas com tua luz infinita,
Me iluminas a ponto de escrever
Mesmo em um momento desses.
Tu és minha estrela guia,
És um meteorito a lançar
Rastros de poeira cósmica
Para eu seguir.
E se algum dia eu vier a morrer,
Sei que também serás minha Caronte.
Mas hoje, nesta cama,
Tu deixastes que eu fosse o maestro.
Pôs tuas belas mãos nas minhas
E me deixou conduzi-la nessa dança de amantes.
E, meu amor, não há alegria maior
Do que dançar com você,
Do que amar você,
Sem fronteiras, sem limites,
Sem razão ou porquê,
Amar você até que a orquestra cesse,
Que a luz apague,
Que a estrela se torne um buraco negro
E o meteorito perca seu brilho
E seja tragado por tal estrela morta...
Até que Caronte venha e me guie para longe daqui.

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

AMANTES

Será que você faz alguma ideia,
Durante este sonho pífio,
Que estou aqui escrevendo e te olhando?
Vendo teu corpo coberto pelo cobertor,
Vendo teus olhos fechados,
Duas jóias mergulhadas
No fluido dos sonhos,
Vendo sua respiração,
Indo... E vindo...
Como calmas ondas em uma praia,
Como nós dóis, momentos antes,
Indo e vindo... E indo... E vindo...
Mas não éramos calmos,
Éramos ondas de tempestade,
Devastando, erodindo.
Éramos amantes,
Carregando amor em nossas ondas.
Somos amantes,
Repousando da forma mais pura,
Da forma mais serena
Que dois amantes poderiam estar.

domingo, 2 de novembro de 2014

AS RUAS QUE ME TOMARAM A POESIA

Acho que em algum beco úmido
Por dentre tantos desta vida seca
Esqueci a poesia.

Em qual ruela fria e cheia de neblina
Em qual esquina suja e mal iluminada
Ficou a poesia que caiu do meu bolso?

Será que furtaram-me a poesia?
Socorro! Furtaram-me a poesia!
Acuda! Acuda! O furtador era igual a mim.

Alguém, ajuda-me a encontrar
As rimas pisoteadas que larguei
Em alguma calçada de mármore.

Alguém, por favor,
Diz que encontrou a metáfora
Que eu abandonei em praça pública.

Já conseguiram achar quem furtou-me a poesia?
Já o disse, ele é igual a mim.
Sim, pode me prender
Fui eu quem esqueci o que é ser poeta.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

POESIA A DOIS

Vim a conhecer o amor de verdade,
E este, arde até queimar a inspiração.
Já não sei amar com tinta,
Já não sei amar com versos.
Só sei amar com beijos,
Só sei amar com sexo.
E eu o deixo me queimar,
Pois acima da dor da poesia em chamas,
Amo nossos corpos a nos amar.
E a cada suspiro de saudade,
Uma rima é expirada.
A cada abraço de reencontro,
Uma metáfora sufocada.
E a cada sorriso,
Uma estrofe chora.
Já não vejo a hora de me ajoelhar
E dar à ela um anel,
Oferecendo tudo que há em mim
De caneta e papel.
Então nós seremos a poesia,
Seremos a rima mais bela
Que um dia sonhei em escrever.
E à ela vou dever a tinta
Que a cada dia
Escreverá nossas lindas estrofes.
E cada filho será um pingo,
Perfeito e lindo,
De tinta no papel.
Que crescerá nesse carrossel
De repletas rimas
Até tornar-se outra poesia,
Incompleta, mal construída,
Ferida por riscos profundos,
Buscando uma rima tão refinada,
Tão perfeita e embelezada,
Quanto a que o colocou  nesse mundo.

terça-feira, 21 de outubro de 2014

PRA VOCÊ

    Nada ao meu alcance parece o suficiente, sem você sou um completo vazio. E às vezes tento me livrar dele te imaginando aqui, uma conversa boba, um abraço, o seu sorriso meigo... Às vezes até me pego falando sozinho "ei, eu tô com saudades...", então levanto os olhos e me entristeço ao perceber que você não está aqui pra ouvir. Às vezes eu peço um beijo antes de dormir e o único estalo que escuto vem dos galhos lá fora. Às vezes, numa tentativa desesperada, abraço o travesseiro quando penso em você e vejo que ele não tem o seu calor, ele não me abraça de volta... Então eu percebo que tenho que parar de pensar na ausência e imaginar o reencontro. Imagino os beijos, os abraços, as brigas bestas, as noites de amor, a sua voz... Ah, a sua voz, a mais linda que já ouvi... Gosto de te imaginar no aeroporto me esperando, eu jogaria minhas malas no chão e correria até você... Ia te apertar tão forte e te beijar tão apaixonadamente que todos parariam para aplaudir. Às vezes, durante minhas sessões de imaginações e pensamentos sobre você eu me pego pensando... Será que você pensa em mim tanto quanto eu em você? Será que sou só eu quem ocupo diariamente a minha mente com saudades, imaginações bobas e melancolia? Às vezes evito pensar nisso, mas nunca evito pensar em você, mesmo que seja para sentir falta, para doer, para falar sozinho e ser ignorado pela distância... Porque o quanto eu te amo compensa tudo isso, apenas a imaginação da sua voz já é a melhor coisa que eu poderia ouvir no meu dia. E eu sei que quando nos vermos, você vai secar todas as lágrimas de saudade que guardei para chorar de alegria ao seu lado.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

SEIO

Longe dos teus seios
Não há meios de ser feliz,
Não há inteiros e não há parcelas,
A infelicidade é uma densa esfera
Quando longe desse chamariz.

Não sei o que há em teu seio
Que tanto anseio para tê-lo,
Que me faz assim tão cheio para amá-la,
Que apenas ao vê-lo,
Felicito-me como se estivesse a beijá-la.

Tamanho me é o deleite desse teu seio
Como o será para nosso filho
O leite que dele provém.
E nem as distâncias mais ferrenhas
Vão impedir as ânsias que me convém.

Mas o que sei é que
Em teu seio repouso tranquilo,
Próximo ao teu mamilo
Meus sonhos brotam infinitos, infundados,
Sonhados por quem sonha viver ao teu lado.

O que sei é que em teu seio me aqueço,
Esqueço o cobertor
E me entrego ao calor do teu ser,
Pois em teu seio há o conforto
Que um dia este amante morto
Sonhou em ter.

sábado, 4 de outubro de 2014

(RE)TRATO

Calado eu me faço enquanto olho o retrato naquele seu quarto.
Retrato, memórias antigas, vividas naquele espaço.
Espaço esquecido, antigo amigo perdido no tempo
Que agora é passado, ficou com o retrato.

Retrato é um trapo, tal é guardanapo na mesa de bar.
No bar eu sozinho, sozinho no ninho vazio à cantar.
Cantar um retrato que nada retrata
Senão o espaço perdido no tempo que não vai voltar.

Retrato o maltrato,
Não era o trato você fugir.
Maltrato o retrato,
De fato a foto continha você a sorrir.

O retrato no ninho, o ninho vazio onde voou o pássaro.
O pássaro voa, a solidão ecoa junto com o meu passo.
Meu passo é escasso, escasso é nós dois
Nesse espaço que já não cabe nesse retrato.

Pássaro quando voa, voa até achar um lugar pra pousar,
Pousou porque voou, voou porque o ninho está a desmoronar,
E até mesmo os pássaros quando voam deixam para trás
Uma pena no mesmo lugar.

Re-trato o maltrato,
Não era o trato você fugir.
Maltrato o retrato,
De fato a foto continha você a sorrir.

sábado, 27 de setembro de 2014

MEU NOME

Não me temam por meu nome,
Não me tomem por minhas rimas,
Assim como é da fome,
Só o desejo me anima.

E as vezes a felicidade some
Quando o desejo não é cumprido,
Se não fostes capais de alcançá-lo
Não me culpes por tamanho partido.

Sou quem vai realizá-lo,
Dar-lhe-ei sentido à vida,
Dar-lhe-ei sonhos, suspiros,
Mas as vezes também pagarás a dívida.

E se a vida dá giros,
Quem sou eu para fixá-la no lugar?
Sei que sou, em diversas ocasiões,
Quem a faz girar.

Mas também sou responsável por suas lesões.
Posso até dar movimento,
Mas não sou de todo forte ou agressivo,
Em fato, sou calmo, sou lento.

Sou como o vento frio
Que passa como uma brisa gelada
E arrepia todo o corpo,
Mas deixo uma sensação amada.

E o que há de mais torto
Do que a compreensão de meu nome?
Aquele que mesmo que rime com dor,
Todos o abraçam e dele comem...
Meu nome é amor.

sábado, 13 de setembro de 2014

CONFISSÃO

- Você veio se confessar, meu filho?
- Vim sim, Seu padre. Eu fiz umas coisa muito ruim.
- Nada é tão ruim que Deus não perdoe quando a alma se arrepende, meu filho. Agora, diga-me, qual o seu nome?
- É Ezequiel, Seu padre.
- Um nome bonito, Ezequiel, um nome bíblico. Você tem quantos anos, filho?
- Tenho doze anos, Seu padre. E obrigado, minha mãe que deu o nome, ela ama muito o Senhor. Ela sempre rezou muito, agradeceu muito, mesmo num tendo nada. Mas o Pai do Céu nunca pareceu fazer nada, Seu padre.
- Deus tem seus métodos, meu filho, e o que sua mãe não ganhou nessa vida Deus recompensa em outra. Agora, me diz o que você fez de errado, meu filho.
- Eu pequei, Seu padre. Eu pequei e foi de fome.
- Meu filho, a Gula é um pecado, a Fome não.
- É porque o senhor num passa fome, Seu padre. A fome faz a gente fazer umas coisa muito ruim. Nós num tem um tostão, Seu padre. Num tem um pão na mesa, minha mãe não ganha quase nada e ainda tem meus dois irmão pequeno. Meu pai trabalha mas eu escuto minha mãe dizer que ele gasta tudo em bebida e que é por isso que ele sempre chega tarde e parece meio tonto e estranho, mas sempre que ela diz isso pra ele, ele bate nela, Seu padre.
- Isso é realmente horrível, meu filho. Sua mãe nunca fez nada contra isso?
- Não, Seu padre, eu num sei porquê. Aí fica nós mesmo, Seu padre. Eu, meus irmão e minha mãe. Aí eu comecei a dar um jeito de conseguir dinheiro pra gente comer, Seu padre. Eu comecei a roubar.
- Meu filho! O roubo é um crime e além de tudo, um pecado! Mas se você realmente se arrepende disso, pare enquanto há tempo, e Deus ainda irá te perdoar.
- Mas é que nós num tem nada mesmo, Seu padre. Esse é o único jeito. Num tem comida pra comer, meu irmãozinho tava até ficando doente, Seu padre. Num tem aguá em casa, a única que nós pode usar é a do riacho, mas ela é escura, Seu padre, num da pra beber nem pra tomar banho. A casa tá cheia dos bicho, Seu padre, e às vezes eu acho que a minha barriga também. Aí eu tive que roubar mesmo, Seu padre, mas eu nunca fiz mal pra ninguém não, Seu padre. Eu sou um garoto direito. Eu disse isso pros poliça quando eles me botaram na parede, mas eles não acreditaram, Seu padre. Eles me deram uma surra e falaram que eu tinha sorte de ser de menor, senão eu ia preso, e que eles deviam me dar um sumiço, Seu padre. Sumiço é que eles deviam matar eu, sabe? E eu queria que Deus mim perdoasse, Seu padre, Deus sabe que eu sou bom, num sabe? Que eu só fiz as coisa pela minha mãe e meus irmão pequeno.
- Deus sabe, meu filho. Mas se você se arrepende, você tem que parar de roubar. Comece a vir à igreja aos domingos, meu filho. Reze um pouco e peça ajuda e perdão à Deus. Deus vai te ouvir, eu sei que vai.
- Eu me arrependo de verdade, Seu padre, mas é que é preciso, Seu padre. Ó, eu vou tentar fazer o que o senhor diz e vô pedir à Deus. Mas se ele num ajuda eu volto, Seu padre. Alguém tem que dar de comer pros meus irmão, Seu padre. Agora eu tem que ir, Seu padre. Minha mãe chega já. Mas eu volto, Seu padre, eu volto pra falar com o senhor.
- Tudo bem, meu filho, eu vou te esperar no próximo domingo.
(O garoto sai do confessionário e deixa a igreja)
- Deus tenha piedade desse pobre garoto...
(E ele nunca mais voltou)

quarta-feira, 30 de julho de 2014

DEVANEIOS NA MESA DE JANTAR

"Eu não sou um alcoólatra", eu costumava dizer.
Já hoje, me assumo sem o menor ressentimento,
Sentado na minha pequena mesa
Com uma cerveja belga e um cigarro.
"O cigarro? Ah, eu vou parar",
É o que digo há cinco anos.
Às vezes até paro ou diminuo o ritmo,
Mas ele sempre volta.
Não me orgulho de nada disso,
Apenas não me arrependo.
E talvez esse seja o meu problema,
Eu não me arrependo de nada na vida.
Olhando a rua e vendo as mulheres passarem
Com seus seios saltando e seus rabos rebolando,
Penso que talvez eu me torne um Bukowski...
Meus textos passarão a ser narrativas sobre álcool e putas,
Vou acordar às duas da tarde
Vomitando a cerveja do dia anterior
E desejando que a ruiva na minha cama vá embora logo.
Talvez minhas memórias comecem a se fragmentar
E a lembrança daquela garota nua na minha cama dizendo que me ama
Seja substituída por lembranças de várias outras...
Mas seriam apenas lembranças vazias, e qual seria o sentido disso?
Dou um gole na minha cerveja e percebo que ela acabou,
Vou na geladeira e abro mais outra.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

PLANETA GUERRA

Que mundo é esse envolto em mentiras?
Que mundo é esse cheio de corruptos, de fraudulentos?
Não quero viver em um mundo onde não há amor,
Não quero viver num mundo onde choramos
Pela derrota esportiva e comemoramos a vitória militar,
Passando por milhões de cadáveres de crianças com nossos tanques de guerra.
Não quero acordar pra ver esse mundo de sangue,
Não quero dormir pra sonhar com esse mundo de guerras.
Não quero apostar nessa corrida capitalista por dinheiro
E ver os cavalos pisoteando os pobres que mendigam na pista.
Não quero ver a lama, não quero ver a doença,
Não quero ver a morte e nem a violência.
Não quero ver os desumanos,
A tortura de animais, o tráfico de vidas e de mortes.
Não queria ver nada disso,
Não queria viver nada disso.
Mas mesmo assim encaro os olhos do homem e choro
Enquanto ele ri na minha cara,
Enquanto ele zomba da minha bondade.
O mundo veste preto,
O mundo veste vermelho,
Mas o mundo pede pelo branco.
Não o branco feito pelas mãos de crianças
Na África ou na Ásia,
Nem o branco feito em linhas de montagens
Exploradoras de seus trabalhadores.
O mundo pede pelo branco da paz,
O mundo grita por mais amor,
Por mais felicidade, generosidade, humildade,
O mundo grita para sermos seres humanos melhores.
O mundo cansou de funerais,
O mundo cansou de ver milhões dos seus filhos mortos
Por motivos banais e egoístas.
O mundo grita por mais amor.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

5 DA MANHÃ

Eram 5 da manhã e eu sonhava com o mar
Quando fui acordado com sua mão macia em meu peito nu
Me sacudindo suavemente e dizendo
"******, acorda, acorda, eu preciso ir para casa."
Abro os olhos, respiro fundo
E me deparo com seus olhos castanhos me olhando profundamente...
"O que foi?"
"Eu preciso ir para casa.
Ao contrário de você, eu moro com meus pais
E eles devem acordar em 1 hora ou pouco mais."
Levanto, ponho os chinelos
E rastejo meio sonâmbulo até a porta,
Abro-a e sou pego de surpresa por um abraço
E um beijo nos lábios - ainda lembro o quanto o beijo dela era estranho.
"Tchau, nós nos vemos na próxima."
"Ta, tchau."
Não teria uma próxima e eu sabia disso.
Nunca mais vi seus cabelos pretos,
Nem mesmo os cabelos loiros de sua cabeça.
Fecho a porta e me pego pensando enquanto retorno à cama:
"E novamente não terei aquele prazer de acordar ao lado da mulher,
Espiar seus seios sob o cobertor e beijá-la ao amanhecer.
Mas de qualquer forma, o que valeria essas conquistas com mulheres vazias?"
Deito em minha cama e volto à dormir.

terça-feira, 22 de julho de 2014

SOBRE SUICÍDIO PARCELADO

Nós bebemos demais,
Nos drogamos demais,
Dormimos com mulheres diferentes
Todos os fins de semana,
Apenas, para depois de tudo,
Acordarmos mortos
Com aquela velha sensação de que
"Jamais estive tão vivo".
Esse é o problema da raça humana,
Precisamos olhar o precipício abaixo de nós
E nos jogarmos através de uma corda
Para chegarmos sãos e salvos no lado oposto.
Precisamos pular do precipício,
Olhar a morte nos olhos
E abrir um paraquedas.
Precisamos perder
Para perceber o que havíamos possuído,
Precisamos morrer
Para perceber que estávamos vivos.
E você?
O quanto você se mata
Para se sentir vivo?

sexta-feira, 6 de junho de 2014

OUTONO

Vemos erros atrás de erros,
Vemos pessoas errarem, nos vemos errar,
Vemos errarem conosco
E esperamos que o mundo aprenda com as pancadas.
Mas quando batemos nas árvores
As folhas apenas caem,
Elas apenas caem no chão.

Erros não são escadas ou elevadores,
Erros são escorregas.
Cada vez escorregamos mais
Rumo à um fundo de frieza e indiferença.
E mesmo que olhemos para trás e queiramos voltar ao topo,
Tudo o que podemos fazer é apenas subir mais um pouco.
Porque quando batem na gente
Nós apenas caímos,
Nós apenas caímos no chão.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

CARTAS SOBRE A MESA (PARTE 2)

     "Querido Fábio, não sei onde você está agora ou o que está fazendo, mas espero que esteja feliz. Saiba que sinto sua falta, e não há um único dia sequer em que eu não pense em você. Desculpe se demorei tanto para responder-lhe, mas precisei de muito tempo de luto para que sua memória não me trouxesse lágrimas. Eu tentei, juro que tentei, mas eu mais molhava o papel do que escrevia, Fábio. Sua morte abrira um buraco em minha vida que só será preenchido quando eu morrer e voltar ao teu lado.

     Saiba que nunca me incomodei com Nossa condição social, eu apenas queria você, apenas queria estar lá, vê-lo sorrir, vê-lo viver, vê-lo ser essa pessoa incrível que sempre fora. E eu vi, eu vivi, eu senti na pele e nos olhos cada parte de você. Eu não me arrependo de nada, Fábio, eu apenas lhe agradeço.

     Eu te amei, Fábio, e se há alguém lá em cima Ele é testemunha desse amor. Você foi a única pessoa que esteve ao meu lado, que secou minha lágrimas quando todos haviam partido, que me abraçou e disse que tudo ficaria bem. Você me deu sua casa, sua comida, você me deu você. E eu nunca pedi nada além disso, nunca pedi nada além de você, com suas frases bonitas, sua atitude de querer salvar o mundo, seu coração tão imenso e o nosso sexo apaixonado. Então não se culpe se nossa aliança não tem uma jóia que roube meu brilho, ou se nosso restaurante cinco estrelas era a mesa da nossa casa. Nada disso nunca me incomodou, Fábio. Então não se culpe...

     E se alguém aqui deve se desculpar sou eu. Fui quem não pude dar-lhe os filhos que queria, fui eu quem não ajudava a pôr comida na mesa e ainda desperdiçava brincando de te sujar. Mas acho que nunca vou me arrepender disso... Desculpa também por não estar presente quando você faleceu, eu estava do teu lado e apenas pude dormir, apenas fiquei lá, sendo a inútil que sou, me desculpe, Fábio, me desculpe. Foi uma dor tão grande acordar de manhã e apenas ver que você se fora... E que não estive lá, que não ouvi suas últimas palavras, troquei um último beijo... Eu não fiz nada, Fábio, me perdoe.

     Eu te amei na felicidade e na tristeza, na saúde e na doença, principalmente na doença. Por isso eu sei que quando nos reencontrarmos será tudo belo de novo, Fábio. Porque eu sei que nem a morte nos separará."

segunda-feira, 26 de maio de 2014

CARTAS SOBRE A MESA (PARTE 1)

     "Eu a amei, por Deus, como eu a amei. E eu sei que ela me amou também, eu sei pois ela ficou do meu lado todo esse tempo, eu sei porque ela nunca me abandonou, nunca olhou pra minha condição social, nunca se importou se não tive o dinheiro suficiente pra dar para ela todo o conforto que ela merecia. Sei que ela me amou por cada beijo, por cada abraço, por cada olhar apaixonado depois do sexo.

     Sou um médico e trabalho em uma cidade consideravelmente grande (não vem ao caso citar a cidade e nem o estado), mas trabalho como voluntário para aqueles que não tem condições de pagar um tratamento médico decente. Meus pacientes me pagam com o dinheiro que podem e é apenas isso. Nunca pedi mais que isso, nunca pedi mais que o olhar de satisfação de uma pessoa ao me ver salvar a vida de outra pessoa querida. Nunca pedi mais do que o sentimento de conforto e realização pessoal ao salvar a vida de alguém. Mas como podem imaginar, minha situação financeira nunca fora das melhores...

     E foi em um dia normal de trabalho que nós nos conhecemos. Ela vinha correndo me pedindo socorro pela sua mãe que havia sofrido um acidente... Fiz tudo o que estava ao meu alcance mas, infelizmente, meu trabalho, às vezes, também é pago com o gosto amargo na boca, o gosto da derrota e da culpa. O gosto da inutilidade e da incapacidade de não salvar a vida de alguém, o gosto da realização de que sou apenas um humano querendo brincar de Deus... Ela chorou ao receber a notícia, e como não tinha mais ninguém, foi nos meu braços que ela caiu aos prantos, dizendo que já havia perdido o pai e que agora havia acabado sozinha. Dei todo o conforto que pude, e, graças ao meu sentimento de culpa, mantive contato com ela para me certificar de que estivesse tudo bem.

     E foi assim que nos apaixonamos... Nunca tive dinheiro para dar grandes presentes para ela ou levá-la ao restaurante caro que a agradasse, mas ela nunca pareceu se importar. Ela apenas queria estar comigo. Nossos jantares românticos eramos nós mesmos que preparávamos (em ocasiões especiais era apenas eu), ríamos enquanto cozinhávamos, jogávamos farinha um no outro, nos melávamos, nos beijávamos... Às vezes transávamos ali mesmo e acabávamos esquecendo o jantar... Éramos acima de tudo, felizes... Nunca viajamos para fora do país, e em raras ocasiões consegui dinheiro para alguma viagem fora do estado, mas foi tudo que pude dar-lhe, querida.

     Mas esse sentimento de culpa nunca me abandonou, nunca parei de me culpar por não poder dar à ela o que ela merecia e principalmente por não poder salvar a vida da sua mãe. Mas ela nunca me culpou, ela nunca sequer reclamou do pouco dinheiro que eu botava na mesa, nem mesmo quando a pedi em casamento com um anel de noivado de segunda e disse-lhe:
   
     - Desculpa não poder comprar um anel melhor com uma jóia maior, mas também acho que não faria muito sentido, não importa o tamanho da jóia, você sempre roubaria o brilho dela.

     Ah, Deus sabe o quanto à amei, o quanto fiquei ao lado dela quando descobrimos que ela era incapaz de ter filhos... Ela chorou nos meus ombros e permaneceu cabisbaixa por semanas, mesmo apesar de todos meus esforços...

     - Rita, não se preocupe com essas coisas, eu não me incomodo que não tenhamos filhos, ainda podemos adotar se você quiser... O que me importa é apenas tê-la comigo, por favor, não se culpe, não fique assim...

     Ah, minha querida Rita, me desculpe por abandoná-la agora e te deixar sozinha, eu já estou fraco e sinto que meu tempo está acabando. Te olho agora, sentada ao meu lado nessa cama de hospital e me tranquilizo. Nunca te pedi para que me amasse, nunca te pedi para que sofresse tudo isso por mim, mas mesmo assim você ficou. Mesmo assim você prometeu que nunca sairia do meu lado enquanto eu não me recuperasse, e você realmente cumpriu essa promessa. Me desculpe por não poder cumprir a minha e te deixar assim... Mas saiba que eu te amarei, eu vou sempre te amar, na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza, até que... A morte... Nos..."

quinta-feira, 22 de maio de 2014

SAUDADE

A saudade é sentimento que arde,
Vento a arrancar fios de cabelo toda tarde,
Zelo pelo tempo que o vento não leva,
Por um momento que o tempo guarde.

Monta sua guarda pelo que carrega,
Guarda a montagem da memória que arde,
Do cheiro do fio do cabelo dela
Que o vento agora arranca há distância de léguas.

Trégua, peço agora com certa ânsia,
Que esse fio de cabelo - de saudade - me espeta.
E espero que o rio seque para uma travessia mansa,
Antes que rios façam-se na minha face branca.

Dança comigo essa dança da saudade,
Meus amigos também dançarão mais tarde,
Pois não tarda a noite à cair,
Como as lágrimas que no escuro vão sumir.

É duro dizer que o Sol já vai brilhar,
Trilhando sua marca no rosto dos que tentaram dormir.
Abro o olho e tento sorrir
Pois sei que o fogo desse Sol à tinir...
Esse fogo que é de saudade...
Ele bate e não queima, mas arde...

terça-feira, 20 de maio de 2014

SOBRE CABOS-DE-GUERRA

À salgar meus olhos,
As lágrimas são espólios
De guerra da saudade.
Bate no peito com orgulho
E mistura essa lágrima
Ao entulho de troféus.
Esconde por baixo de véus
De mentiras toda a lástima
E retira, lágrima por lágrima, escondido,
Pra não se clamar pela saudade, vencido.

terça-feira, 29 de abril de 2014

NEGAÇÃO

Você olha pro passado,
Como quem olha no espelho,
Vê tudo o que fez de errado
E acorda do seu pesadelo.

Todos os bêbados e os cegos,
Atrasando seus destinos,
Nenhum consegue ver o quanto é belo
O fim deste caminho.

Todos tem uma lágrima a esconder,
E alguém que finge não ver,
Mas quando o céu desaba
Tudo o que você quer é esquecer.

Tem gente com um olhar vazio,
Mas basta um fogo acender
Pra parar o sofrimento de um coração frio,
E todo o gelo derreter.

E todas as garotas chorando em casa,
E os homens chorando em copos,
Olham-se e vêem no outro o nada,
Mas silenciam o desejo que vai além dos corpos.

Há tanta gente por aí
Querendo motivos pra sorrir,
E tanta gente no escuro
Cuja dor soa como um sussurro.
E pra quem finge tudo não ver,
Um dia ainda vai se arrepender.

sexta-feira, 21 de março de 2014

RIO E MAR

O rio que antes o mesmo fluxo seguia,
Agora não se sabe onde vai desaguar,
Agora o que se sabe nessa vida
É que é necessário esperar.

Com suas épocas o rio segue,
Enche e esvazia conforme a estação,
Seca quando lhe apetece,
Transborda se a chuva faz uma aparição.

À medida que as nascentes secavam
Secavam também os que do rio nutriam,
Morriam os peixes que lá nadavam,
Morriam os homens que os comiam.

E tudo que do rio agora existe,
Desaguou em mares e oceanos,
Não resta nem uma gota, triste
À chorar de volta o rio nesse ano.

Outras leis dominam no alto mar,
A maré leva, as ondas quebram,
O mar foi feito para se lutar e desbravar,
Para deixar em casa os navegadores que sossegam.

Mas às vezes as ondas que afogam,
Também te devolvem à costa,
Às vezes as águas que amparam
Deixam a alma exposta.

Às vezes o que a maré levou,
Ela também traz de volta,
Mas várias vezes nada retornou
Dessa triste escolta.

Rio e mar,
Remar por ambos irei
Até cansar e me afogar,
Pra renascer na mesma nascente
Cujo rio eu sequei.

terça-feira, 11 de março de 2014

VAI DOER

Eu estou indo embora, não está vendo?
Estou fechando a porta atrás de você...
E te ver parada só aumenta meu desalento,
Será que doeria virar a cara e te ver?

Será que doeria se eu não visse lágrimas?
E se eu as visse, me faria ficar?
Acho que apenas o que me faria seria ver-te assim, ávida,
Pedindo para eu não te deixar.

Eu diria que não custa sonhar,
Mas os sonhos acumulam juros,
E quando falir, irei quebrar,
Mais uma vez cairei do muro.

Fui tolo em achar que eu era tudo,
Você nem se levantou para fechar a porta,
Talvez a torta não fosse pra mim
E outra visita estivesse pra chegar.

É triste conhecer o fim,
E saber que você não pode fazer nada,
Mas mesmo assim recuso-me a acreditar,
Você também está assim tão cansada?

Por que você não pede para eu ficar?
Por que você não me oferece uma xícara de chá?
Ou até mesmo aquela fatia de pizza mofada,
Esquecida no fundo da geladeira... Por quê?

Você realmente não vai me responder?
Vai realmente esperar sentada no sofá,
Segurando o choro para eu não te ver lamentar?
Se assim for, assim será.

O que me resta é apenas prometer:
Vai doer, vai doer mais em mim do que em você.

quarta-feira, 5 de março de 2014

A LETTER ABOUT NOTHING

Let's pretend that nothing exists,
Let's keep pretending that nothing happened,
Nothing happened at all.
We silence our hearts,
We silence what's left from an old love,
Pretending that nothing makes our hearts beat.
Let's pretend that there is nothing here,
We have already locked that empty room,
And we're sure that it still empty.
Because nothing happened,
Nothing happened at all.
We keep pretending that love is just a childish dream
And we keep wishing that we're still childish dreamers.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O TEMPO

O tempo passa,
O tempo não para.
O tempo se arrasta
E te arrasta com ele,
O tempo arrasta o momento.
O tempo não sacia,
O tempo come,
O tempo come o tempo ao seu lado.
Tenho fome de tempo,
Tenho fome do tempo com você.
O tempo preenche e esvazia,
O tempo enche de alegria que não vai durar.
O tempo passa,
O tempo conta
E a gente conta o tempo,
A gente contra o tempo.
Quanto tempo até a gente se ver?

sábado, 22 de fevereiro de 2014

SOBRE OS TRILHOS DO MUNDO

Eles rasgam suas roupas
E te põem em um terno.
Eles cortam seu cabelo
E te dão um penteado "apresentável".
Eles te limpam, lavam,
Só pra poder botar o perfume que os agrade.
Eles tiram suas dúvidas e porquês
E te tornam mais prático.
Eles jogam sua personalidade fora
E te tornam mais produtivo.
A filosofia do ser útil pra alguém,
Ser útil pra quem?
O mundo gira sobre os trilhos que o homem construiu,
E esses mesmos homens empregam a lei da produtividade.
Viva pra fazer e construir algo pra alguém,
Viva não por você, não pra você,
Viva pra ser quem eles querem que você seja.
Mais produtivo, mais rápido,
Mais eficiente.
Quem você é não importa,
Seus sonhos, suas personalidades,
Isso não vale nada quando você é o que você faz,
Você é o conjunto das suas aptidões...
Eles sugam a sua vida
Pra prolongar a deles.
Substituindo cada característica sua por mais um parafuso
Pra pôr nos trilhos onde o mundo gira.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

INF(ERNO)ÂNCIA

    Venho aqui, já aos meus 26 anos, perante à todos que queiram me julgar, à todos que me atiraram pedras no meu caminho à cadeia, me declarar culpado. Não pelos assassinatos, não. Por esse crime o juiz e o réu já me culparam, por esse crime toda a sociedade e a imprensa já me crucificou. Mas sou culpado por ser fraco, sim, pasmem, por ser fraco. Fraco perante às pressões dessa sociedade putrefata, fraco perante às humilhações dessa sociedade digna de pena, essa com a qual todos vocês convivem e já se acostumaram. Mas me perdoem, eu não pude ser forte como vocês.

    Venho desabafar aqui todo o sofrimento que passei por alguns anos da minha vida... Aquela época de ouro que trazem à vocês, seres humanos normais e sempre atarefados nas suas vidas rotineiras, tanta nostalgia. Aquela época que vocês chamam de infância, eu tomo a liberdade - pois a única liberdade que tenho na cadeia é a poética - de chamá-la de inferno.

    Vejam bem, algumas pessoas nascem com certos dons como a simpatia, um sorriso fácil ou até mesmo a falsidade para poder fingir algum dos dois. Eu não tive a sorte de ter nenhum desses dons, mas graças a Deus - vejam isso apenas como uma expressão, pois apesar dos bons esforços da minha mãe, jamais fui um homem devoto - nasci com o dom da observação. Enquanto todas as crianças estavam ocupadas prestando atenção às aulas, conversando com os colegas do lado ou olhando apaixonados para um(a) garoto(a) da sala, eu me ocupava observando-as. Observava seus jeitos, suas maneiras, seus vícios, tiques, expressões faciais... Eu observava tudo. Não observava apenas as pessoas, mas também o jeito como o risco do giz no quadro negro perdia a grossura com o uso, como a luz do Sol às quinze horas refletida na pequena janela ao meu lado direito fazia parecer como se eu estivesse banhado em luz, e até mesmo como os chicletes mastigados debaixo das carteiras endureciam com o tempo.

    Todo esse tempo de observação me fazia desatento às aulas e, com isso, minhas notas nunca foram muito dignas de serem admiradas por ninguém, o que me fez repetir algumas vezes ao longo do período escolar. Além das notas, meu passatempo de observar me tornava uma pessoa muito anti-social e - como diriam os garotos que me atormentavam através dos anos - esquisito. Jamais fugi às brincadeiras de mau gosto dos meus colegas de escola. Não importava quantas vezes eu repetisse, a turma seguinte herdaria da anterior a habilidade de se divertir às minhas custas com apelidos como "esquisitão" e brincadeiras como jogar coisas - principalmente comidas e bebidas - em mim. Ah, a infância - perdão, inferno. O inferno é belo e nostálgico, não?

    Quando cheguei ao último ano do período escolar, toda a humilhação havia feito de mim uma pessoa amargurada e cheia de ódio, porém extremamente controlada. Aguentei até aproximadamente metade do ano todas as brincadeiras de pessoas como a Raíssa, com seus cabelos lisos e loiros - ainda lembro do quanto eu ri ao vê-los vermelhos, embebidos em sangue - ou o João, sempre fora o que mais riu de mim e mais incentivou as outras pessoas à me atormentar - lembro também do último sorriso dele, jamais terminado graças à bala que entrou na sua boca e o matou. Sei que já pedi perdão no começo dessa confissão, mas venho aqui lembrá-los: perdão por não aguentar passar por essa linda época que vocês chamam de infância, perdão por ser fraco.

    Aproximadamente na metade do ano, eu simplesmente não suportei mais... Em uma das madrugadas que não conseguia dormir, tomado por lágrimas, eu fui ao escritório do meu falecido pai - como a maioria de vocês deve ter visto no noticiário ao me prenderem, não possuo pai desde os cinco anos, tomado por uma enfermidade. E ao chegar lá, fui direto à escrivaninha onde achei o que esperava encontrar, o revólver que pertencia à ele - o que descobri, depois de preso, ser um taurus modelo oito-três-oito, calibre trinta e oito. Sabia que o revólver tinha capacidade para oito balas, e minha sala possuía vinte e três alunos - como vocês podem lembrar nos noticiários. Peguei mais três cartuchos - o terceiro era um extra, eu não contava com acertar todos os tiros - e os guardei comigo.

    No dia seguinte, depois de todos os alunos estarem sentados em seus respectivos lugares, eu andei até a porta devagar com o revólver dentro do casaco e parei por um minuto de frente para a porta, de costas para a sala. Percebi que todos haviam acompanhado minha marcha até a porta, a marcha fúnebre deles. O professor me mandou voltar ao meu lugar com um tom de voz indicando rispidez e autoridade e quando me virei, vi o João apontar para mim e gritar "olha só o que o esquisitão está fazendo!" e abriu a boca gargalhando, o que levou à turma a começar a rir também. Pena que não durou muito, assim que o João abriu a boca e começou a rir, saquei a arma do casaco e meti-lhe uma bala na garganta. Por um breve segundo que pareceu uma eternidade, os risos cessaram e o silêncio permaneceu, breve, até ser substituído por gritos e pelo barulho de cadeiras se arrastando, pessoas correndo. Sorri e mirei no próximo, e no próximo, e no próximo, até acabarem as balas do revólver, então as substituí e recomecei, gargalhando histericamente enquanto matava todos os alunos da sala, deixando vivo apenas o professor, agachado contra a parede, assustado. Para me justificar: o professor apenas fazia seu trabalho e jamais havia me incomodado, não havia porquê condená-lo por apenas estar lá. Ao terminar meu trabalho, coloquei a arma na minha própria boca e atirei. Para a minha surpresa, nada aconteceu. Apertei o gatilho de novo, e de novo, e de novo, desesperadamente. Mas não haviam mais balas e aquele fora o último cartucho. Sou culpado também por me deixar levar pela adrenalina e pela emoção, por esquecer meu dom de observação e não contar as balas.

   O resto de tudo vocês já conhecem bem, os policiais chegaram e me encontraram ajoelhado ao chão, desesperado por ainda estar vivo, e meu professor - que depois testemunhou contra mim - ainda em estado de choque, agachado contra a parede. Descobri depois que a Raíssa e mais outros dois alunos haviam permanecido vivos apesar de tudo. Quando soube, me senti o ser mais tolo à caminhar sobre a Terra. Por me deixar pela emoção de atirar em cada um, não parei para pensar que algum deles ainda poderia estar vivo. Senti-me ridiculamente tolo por não verificar um por um, certificando-me se todos estavam completamente mortos. Mas relaxei depois, ao imaginar o trauma e a dor que seria continuar viver sendo qualquer um os três, seja a Raíssa com seus novos cabelos vermelhos - é como gosto de imaginá-la agora - ou qualquer um dos outros dois.

    Agora que vossas senhorias já estão familiarizadas com o meu passado posso terminar meu desabafo com minha declaração final de culpa... Senhores juízes dessa sociedade corrupta e declarada à morte, declaro-me culpado por não me adaptar, por não querer viver, por não aguentar a pressão ou a humilhação. Declaro-me culpado por ser fraco demais e não sobreviver intacto ao inferno que vossas senhorias chamam abertamente de infância.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

AS COISAS SÃO O QUE ELAS SÃO

As coisas são o que elas são,
Elas simplesmente são o que são.
E não há mentira bem intencionada
Ou omissão de detalhes que mude isso.
Uma mentira contada mil vezes
É só uma mentira bem contada,
A verdade continua sempre sendo apenas a verdade.
As coisas são o que elas são,
Não importa o quanto você não queira que sejam,
Não importa o que seus pais e os filmes disseram pra você,
Não importa que seja uma mentira ou uma verdade,
Que você acredite ou não.
As coisas simplesmente são o que elas são,
Independentemente de tudo, de qualquer coisa,
Independentemente das ilusões, das mentiras,
Das verdades mal contadas e das verdades embaixo dos tapetes.
Nada que você diga, faça, minta ou reminta vai mudar o que realmente é.
É por isso que sou fã declarado da verdade,
Expor sempre o que as coisas realmente são
Pelo simples fato de que elas são assim,
Sem ilusões, sem mentiras, sem meias verdades.
Se as coisas fossem contadas e vistas como elas realmente são...
Talvez... Aí talvez... Teríamos um mundo melhor.
Mas tudo teve que começar com aquela "mentira besta",
Aquela "mentira para não ofender"
E daí toda uma cadeia de ilusões foi quebrada.
As coisas são o que elas são,
Elas simplesmente são o que elas são.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

UM DIA NA VIDA DE HUGO

    Era uma noite fria, ventava muito aquele dia, como Ele há de lembrar ainda. Lá fora, alheio ao olhos do pequeno Hugo, que dormia em sua cama, as árvores balançavam violentamente e uma multidão de folhas dançava a dança do vento. Na casa do seu vizinho um galho chegou a cair e quebrar a casinha do cachorro, que, por sorte, não dormia lá naquela noite. E, exatamente em frente à porta da sua casa, Ele se encontrava parado esperando sabe-se lá o que, ou talvez apenas muito ansioso pelo o que estava por vir... Medo? Hesitação? Não, não era nada disso. Ele estava apenas dando uma pausa, assim como o pequeno Hugo brevemente prendeu a respiração e parou diante do presente de natal na noite anterior, Ele parava diante do seu.

     A mãe de Hugo nesse momento se encontrava na cozinha bebendo um copo d'água no escuro da noite. Ela levou o copo aos lábios e bebeu até pouco depois da metade, depois parou, respirou profundamente e terminou o copo, pondo-o levemente na pia para se certificar que não faria nenhum barulho. Mas assim que se virou acabou fazendo todo o barulho que evitou e deu graças à Deus por isso, pois quando ela se virou deu de cara com Ele, que com um movimento súbito tapou-lhe a boca pra evitar que ela gritasse e enfiou-lhe a faca na barriga, rasgando-a horizontalmente para poder ver, com um sorriso no rosto, suas tripas caindo ao chão. Mas Ele não foi rápido o suficiente, antes da facada ela ainda tentou se debater, o que a fez esbarrar no copo que ela mesma havia deixado na pia, derrubando-o no chão.

     O pai de Hugo acorda de súbito no meio da noite com o barulho de um copo se quebrando e percebe que sua mulher não está na cama, ele se descobre de seu lençol, calça seus chinelos e desce as escadas para verificar o que houve mas antes vai ao quarto de Hugo ao ouvir ele gritar "Mãe? Pai?". Ele diz que sua mãe deve ter esbarrado em algo, que ele vai lá ajudá-la e que Hugo deveria ficar na cama. Ambos tão tolos, o pai por não suspeitar de nada e o pequeno Hugo por ir atrás dele logo depois.

     Ao chegar na cozinha, o pai de Hugo se depara com sua mulher morta no chão e suas tripas espalhadas. Sem ter ao menos tempo de chorar sua perda, Ele o surpreende por trás tapando sua boca e cortando-lhe a garganta, sentindo o sangue escorrer da faca para as suas luvas, e das luvas para o pulso exposto. Mas Ele também foi surpreendido ao ouvir o grito de Hugo por seu pai, agarrado ao corrimão da escada com os olhos cheios de lágrima. Ele caminha lentamente até Hugo mas para à sua frente assim que o ouve dizer, com a voz embasada pelo choro e a frase cortada por soluços: por quê? Por quê você fez isso com os meus pais?

     O que o pequeno Hugo não sabia é que não tinha um porquê, e por que haveria de ter? Nem tudo na vida precisa ter um motivo, muito menos tirar a vida de alguém, de algo tão frágil, que morre e se esvai com um simples corte no lugar certo. Ele não conhecia Hugo e nem seus pais, não além do que ele os tem espionado na última semana, apenas para ter certeza sobre o número das vítimas. Ele poderia ter dito isso ao Hugo, Ele se imaginou dizendo "por motivo nenhum" quando olhou nos olhos dele. Mas ao invés disso ele apenas sorriu e estrangulou o garoto com suas próprias mãos.

domingo, 19 de janeiro de 2014

SOBRE OS PASSOS QUE NÃO SEGUI (OU OS PASSOS QUE VOCÊ DEU)

Para de andar um pouco e olha pra trás,
Olha a distância que você já está...
Eu ainda estou muito atrás, querida.
Eu não posso acompanhar seus passos,
Eu não posso seguir sua dor.

Seus olhos frios ainda me observam caminhar,
Eu ainda observo suas costas a se afastar.
E o caminho que você seguiu
Eu simplesmente não pude ir atrás,
Simplesmente deixei o atrito me parar.

Onde está você agora?
Onde está a gente?
Olha o quão longe fomos parar...
Esquecemos de baixar as velas
E deixamos o tempo nos levar.

Quando foi que seu sorriso virou minha mágoa?
Quando foi que as verdades começaram a se confundir com as mentiras?
A partir de que momento eu comecei a odiar?
A partir de que momento eu comecei a amar?
E você? Se é que já sentiu ou sente qualquer um dos dois...

Porque estamos dirigindo tão rápido?
Eu sentia seu olhar frio...
Sentia sua intenção assassina vinda do carro que bateu no meu.
E onde foi parar o meu cadáver?
Ensanguentado com a mão estendida na sua direção?

Quando foi que o carinho virou agressão?
E quando que as algemas que deveriam ser usadas somente na cama
Foram pra fora das nossas quatro paredes?
Quando foi que tanto sangue foi derramado?
Há quanto tempo que eu tento limpar essa mancha do meu tapete de "boas-vindas"?

Eu não sei... Você sabe?
As coisas estão tão confusas,
Os mundos estão tão misturados,
Tão distantes de nós...
Olha onde a gente foi parar...

Quando que a dor ficou assim?
Quando que a pena veio à tona?
E o nojo? A repulsa?
Eu ainda não acredito que sou capaz de odiar, e você?
Olha o quão longe você me pôs...

Olha onde fomos parar, querida...
Você ao menos sabe onde está?