segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

SIMETRIA

Depois de provar da tua língua
Este teu tão doce mel,
Ter de engolir o fel de bocas alheias
É como sentir o céu se esvair de minhas veias.

Sinto tua teia a cobrir-me
No lugar do cobertor
Toda vez que estou a divertir-me
Com o amor de outros corpos.

Sem ti sou um barco a rejeitar outros portos,
Eternamente a atracá-los e logo deixá-los,
Nunca preso, nunca a amá-los,
Sempre a esmo, sempre a abandoná-los.

Bebo de tantos gargalos e permaneço sóbrio,
Apenas o teu tirava-me o ócio
E dava-me a minha almejada ebriedade.
Esta sempre fora a minha realidade.

E agora ela se esvai,
Arde e me queima o coração dilacerado,
Vai tornando-o em cinzas mal cheirosas,
Tornando a rosa em cravo.

E depois de tantos beijos dados e roubados,
Depois de tanto sentir meus lábios ultrajados
Por bocas sem sal e línguas convulsas,
Criando beijos disformes e desencaixados,
Concluo que meu beijo fora moldado para teus lábios.

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

INSÔNIA

Me deito, me reviro,
No âmago do meu ser
Eu sei que algo está errado.
"Inspira, expira...
Não pense mais em nada."
Começo a imaginar o movimento...
Inspira... E expira...
E de repente são os seus seios
Que me vêm à mente,
Inspirando e expirando.
Apago mais esse pensamento,
Viro para o outro lado
E abro os olhos por um rápido momento.
Não, você não está lá.
Começo a contar carneirinhos
E todos eles possuem a sua face.
Desejo me enroscar na sua lã
E deixar você me levar pra além da cerca.
Desisto, ligo o computador
E escolho uma música,
Mas todas elas falam de você.
Vou na cozinha, abro uma cerveja
E vejo seus olhos quando chego ao final da garrafa.
Volto para a cama...
É você aquela pequena aranha no teto?
São seus os olhos me encarando do meu poster?
O reflexo no meu espelho também é seu?
Me parece que não há outra saída
Você está em todo lugar
Menos onde mais deveria estar.
Nessa cama cabe mais um, sabia?

sábado, 17 de janeiro de 2015

PESCA(DOR)

Deixa mulher e filhos
Desprotegidos na calada da noite,
O vento bate como um açoite
Ao cantar dos grilos.
Ê pescador, ê pesca dor.

Arrasta sua jangada na areia
E parte para talvez não voltar
Encontrado no fundo do mar
Morto por um beijo de sereia.
Ê pescador, ê pesca dor.

E quando as ondas começam a quebrar
Ele olha pra trás e pensa na mulher dormindo,
Os filhos sorrindo
Ao ver o pai voltar.
Ê pescador, ê pesca dor.

Jogando sua rede aberta de esperança
Na busca do peixe para obter o pão,
Esperando o milagre cristão
Apenas para ver quebrada sua ânsia.
Ê pescador, ê pesca dor.

Mas ele não desiste não,
Joga novamente sua rede,
Crente de que vai matar a sede
De obter seu ganha-pão.
Ê pescador, ê pesca dor.

E quando vê os peixes se debatendo
Já vai pensando meio cedo
No sorriso sem medo
Ao ver as crianças comendo.
Ê pescador, ê pesca dor.

Sua alegria é o vento no rosto,
A felicidade que a família exprime
Ao botar o pé na terra firme
Quando passado o sufoco.
Ê pescador, ê pesca dor.

E já no fim da tarde
Vai pra algum lugar indecente
Beber aquela velha aguardente
Que bate e tanto arde.
Ê pescador, ê pesca dor.

Mas hoje, quando voltou com o peixe no raiar do dia
Bateu com uma tempestade em alto-mar
E jangada acabou por virar
E acabar com todas as alegrias.
Principalmente da família que tanto viria a chorar,
Ê pescador, ê Iemanjá.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

O REI DO CASTELO TOMBADO

Ele permanece com sua pose real,
O peito estufado,
O sorriso fácil,
A coroa simples exibida para todos.
Ele nunca fez questão de ouro ou prata,
Por mais que pudesse pagar por todo ouro do reino.
Mas mesmo assim exibia sua bela coroa
E estufava o peito com seu título de Rei,
Mesmo que o castelo seja apenas um fantasma de outrora.
A muralha forte e impenetrável ainda de pé,
Os portões fixos, bem sustentados,
O castelo por fora ainda mantinha sua beleza,
Ainda mantinha o esplendor dos tempos passados.
Mas quando o Rei voltava para o seu reino,
Só ele via os móveis quebrados,
As paredes empoeiradas,
O teto cheio de aranhas.
Sempre o elogiavam...
Depois de tantas investidas,
Tantas catapultas e aríetes,
As defesas pareciam impenetráveis,
Quando, na verdade, era o interior que tomava o dano.
Agora ele senta em seu trono,
E chora com as mãos na face,
Olhando todos os seus fantasmas
Ainda apontando para a muralha
E gritando "tragam as catapultas".
Mas agora nem isso o Rei possui,
O castelo está começando a tombar
Alguns tijolos já estão fora do lugar
E os suportes dos portões estão desgastados.
É apenas uma questão de tempo
Até que sua coroa se faça em pó
E o castelo tombe,
Mostrando o que há tempos sempre fora,
Um depósito de móveis velhos e quebrados,
Um ninho de aranhas e traças
Cheio de poeira e fungos.
É apenas uma questão de tempo
Para que as muralhas caiam
E os invasores vejam que o castelo
Já foi tomado há muito tempo
E não há nada para saquear
Além de uma coroa velha,
Um trono aos pedaços
E a vida de um Rei de escombros.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

CAMINHADA

Eu andando e ela logo atrás,
Eu ouvia seus passos,
Às vezes mais próximos,
Às vezes mais distantes.
Ouvia o ruído irritante
Quando o som dos passos
Tornava-se mais nítido,
Acho que ela tentava falar.
Eu caminhava com a angústia no peito,
O choro batendo no rosto para sair
E tudo que eu mais tinha vontade
Era gritar, chorar,
Me virar e mandá-la sentar e ficar
Como à um cachorrinho,
Ou empurrá-la e correr.
Mas não, apenas andei.
Andei até que aos poucos
Eu fui aumentando o ritmo,
E ela, diminuindo o dela,
Até o ponto em que ela parou,
Estagnou, ficou.
Eu já não ouvia seus passos,
Ela ficou para trás.
Dizem que não sou homem
De olhar para trás ao ir embora
Ou me despedir,
Mas dessa vez,
Dessa única vez, eu olhei.
Olhei e vi meus erros,
Os erros dela,
Todos os sinais
Que eu, em minha cegueira
E em minha vontade de continuar,
Me recusava a ver.
Dizem que eu não olho para trás
Ao dar adeus, mas eu olhei.
E quando, enfim,
Toda a vontade de chorar e gritar
Se realizou, sorri.

sábado, 3 de janeiro de 2015

CHILENA

Para usted, chilena,
Escribo estas amiúdes palabras,
Estes versículos destilados
Por mis ojos ao mirar-te.

Y si hablo así con tanta pasión
És porque cada una de ustedes, chilenas,
Llamaron a mi corazón con esos finos lábios,
Com esos lisos cabelos, esos ojos seductores.

Dulce mujer de traços indígenas,
De saias e calças de tecido chileno,
Delicadas uvas de un fino viño,
Rimas incompletas de un poema de Neruda.

Para ustedes, agraciadas mujeres,
Dedico este poema de un pobre español,
Dedico a chama que ustedes acenderam,
Dedico a ustedes y a su tierras
Un pedazo de mi corazón.