terça-feira, 29 de novembro de 2011

O VELHO CHICO

   Chico era um senhor por volta dos seus cinquenta anos, era engenheiro - não um sucesso, não um fracasso - ganhava um bom dinheiro, mas era um engenheiro qualquer, destinado a trabalhar sem brilho numa rotina angustiante, apenas como mais um. Chico também era cristão, cujos dogmas e doutrinas ele não segue, mas ele diz ser cristão, pois ele reza, ele agradece à Deus tudo de ruim que da certo para ele.

   Chico chega do trabalho todo dia cansado, faz o sinal da cruz para a estatueta de jesus pregado na cruz e esta, pregada na parede. Ele beija sua mulher, ignora a ausência dos filhos que ela é incapaz de lhe dar e vai se deitar. Sim, Chico é casado. Ele brada com orgulho: "Sou homem casado", é o que diz para quase todos. Mas em 14 anos de casamento já teve diversas mulheres. Número esse que ele conta apenas para os amigos mais próximos, é claro que ele sabe ao certo quantas mulheres já teve, afinal, como poderia ele não conseguir contar uma simples sequência numérica? Foi sempre isso pra ele, números, números para comparar com os amigos, algo como um troféu invisível, ou melhor, intocável. Era apenas na imaginação dele.

   Chico não sabe porque a vida lhe fora tão injusta, lhe dera uma mulher incapaz de gerar filhos. "Oh, Destino cruel", bradava ele aos céus. Ele se perguntava o que ele havia feito de tão errado pra merecer isso, como se fosse tudo um jogo de dar e receber. E mesmo que o fosse, como ele pensava ser, ele não respondia a resposta que dera a si mesmo, ninguém sabe se ele sabe responder, ou se tudo que ele fez ele julga ser assim tão normal.

   Eu havia encontrado Chico depois de quase trinta anos, havíamos sido colegas na faculdade. Ele era tão digno, era uma pessoa romântica, fiel, tinha seus valores, sempre fora justo. Sempre fora pisado justamente por aqueles que tanto amou. "Oh, Destino cruel", bradei aos céus. "Por quê há de levar a alma de um ser tão bom? Por quê há de esmigalhar os sentimentos daqueles que tanto os conservam?". A vida lhe foi tirando tudo e ele não se opôs, já não tinha forças... Até torná-lo no que é hoje, alguém que grita aos céus as dores que causa por ter gritado demais ao céus as dores que sofreu. E ele faz tudo como se não lembrasse que outrora já havia sofrido, era como se aquile passado jamais tivesse ocorrido.

   Ao se deitar, sua mulher sempre vai até ele, conversam de forma gentil e ela sorri como se ele sempre fosse dela, sem saber das sujeitas que aquele homem esconde no bigode. Eles fazem amor e depois dormem, deixando Chico a mastigar suas mágoas em seus sonhos obscuros. No dia seguinte, Chico acorda, toma banho, come, faz o sinal da cruz e agradece mais outra mentira, depois sai para trabalhar.

Oh, que Destino cruel...

terça-feira, 22 de novembro de 2011

A SEMENTE

Não sou como os outros, querida,
Não lhe darei chocolates que duram um tempo,
E deles não haverá nem memória,
Não lhe darei flores,
Arranjadas num buquê a preço justo,
Todas mortas, todas prontas pra se decompor.
Qual é o motivo das flores?
O casal ou amante assistir-la-á morrer aos poucos,
É como o mais fútil dos amores,
Você irá apenas vê-lo morrer aos poucos e não saberá o que fazer,
Aquela beleza irá se decompor aos poucos,
E todos os esforços para mantê-la viva será em vão.
Por isso dar-lhe-ei uma semente,
Pois é como o meu amor por ti,
Se guarda e espera a hora certa para se desenvolver,
Independentemente de qualquer coisa.
Basta você cultivá-la e alimentá-la,
E, assim como o meu amor por você,
Você ver-la-á crescer, se fortificar,
Você verá que ela se tornará bela,
Tornar-se-á eterna.
E você jamais precisará vê-la morrer,
Ela sempre estará bela, intacta, firme e forte,
Basta você cuidar dela com todo o seu amor,
Fazendo crescer o nosso amor.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

UM AMOR A SETE CHAVES

Eu ainda não sei o que é isso... Essa força ou desejo, que me remete sempre a você, minha bela anja que almejo. Eu sei que não é só amor, amor não é tão forte, não é tão intenso...

Apesar de todas as minhas escolhas, apesar desse caminho longo e aparentemente sem fim com o qual percorro com grande convicção, há sempre uma parte de mim que remete a você, uma parte por você seduzida, que a deseja freqüentemente. Há aqueles momentos em que tudo que eu queria era estar com você. Peguei-me sonhando com você certo dia, acordei com uma sensação indescritível, e tudo que eu queria naquele momento é que você estivesse comigo para tornar aquele desejo realidade.

Decidi então trancafiar o que resta desse amor dentro de mim a sete chaves, assim nada mais entra, e principalmente, nada mais sai. Assim ele permanecerá lá, intacto, até o dia em que deve ser aberto. Trancafiá-lo-ei em um quarto, entre quatro paredes sob um céu estrelado, enquanto um toca discos alimentá-lo-á com a mais bela canção, cozendo esse amor lentamente como em panela de pressão, esperando apenas uma abertura para liberá-lo com toda intensidade e paixão.

Fiz disso meu julgamento final, mas não posso fazê-la vítima ou prendê-la quando o culpado sou eu. Então lhe dei as sete chaves daquele lugar secreto que só você poderá achar, dei-lhe o mapa do labirinto que é quando meu cérebro une-se ao coração. Mas te dei também a escolha de buscar ou ficar, numa caça ao tesouro num tempo indeterminado, numa espera esperançosa e talvez ilusória durante um tempo que não podemos adivinhar ou supor. E isso eu não posso pedir a você, pois não posso desejar-lhe a agonia enquanto guardo pra mim a felicidade. Devo desejar para você apenas o mais belo dos sorrisos, pois sei que é seu de direito, assim como sou, por direito, seu.

Para você, apenas você, meu passado e futuro, e também meu ausente presente, guardarei o amor, até o dia de nos reencontrarmos. Pra você guardarei o amor, amor tal que jamais senti por alguém amor igual. Para você, apenas você...

domingo, 20 de novembro de 2011

IN LOVE WITH VAMPIRES

Você parece gostar de permanecer no escuro,
Fazendo-me sofrer e machucando as pessoas ao seu redor.
Nosso amor macabro agora me dói
E isso parece te divertir.
Então morda-me o pescoço,
Faça-me sofrer se é o seu desejo.
Só não faça desse sofrimento algo inútil,
Recompense-me por sobreviver.
Me transforme em um deles,
Alguém como você.
Afinal, eu já não gosto do que vejo no espelho,
O nascer do Sol já me machuca mesmo agora.
Ao menos terei você e a Lua,
Vamos voar juntos como criaturas da noite,
Vamos tocar as estrelas e deixar que elas nos marquem,
Vamos nos beijar naquele velho cemitério,
Vamos entregar nosso romance às sombras.
Dilacere-me,
Faça de mim o que bem quiser,
Afinal, minha vida já é tua,
E eu a te dei com o prazer de quem morre por quem ama.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

A CIDADE DE FUMAÇA

Em meio as ruas dessa pequena cidade,
Eu andava cabisbaixo, atento ao redor.
E por todos os lados viam-se neblinas,
Neblinas de carros
E principalmente neblina de cigarros.
Por todos os lados se tragavam e expulsavam ar de nicotina.
A cidade fedia, fedia ao ar das impurezas humanas.
E pelos bares de esquina e de meio de rua,
Juntavam-se os amigos, os bêbados e prostitutas,
Todos os advogados, cafetões e torcedores de futbol,
Todos os médicos, mendigos, poetas e músicos.
Cada bar vibrava em cores e fumaças,
Com seus copos de ouro e colarinho.
Chamando-me, quase gritando,
A fumaça ao pouco tomava forma e seduzia-me à tragá-la.
Os copos chamavam-me a bebê-los,
Os cigarros chamavam-me a fumá-los,
Os cafetões faziam-me propostas e me apresentavam os preços,
Chamavam-me à putrefação da minha consciência.
Um deles me jogou uma prostituta que entregou-se aos meus lábios,
Eu, sem reação, fiquei paralisado.
Aquela podridão humana me envolvia,
Me absorvia e fazia de mim parte daquele todo.
Eu não iria rebaixar-me à tal superficialidade humana,
Corri, neguei todos os prazeres fúteis,
Só pensava em voltar.
Quando parei, ainda com lágrimas nos olhos...
"Voltar pra onde?".
Foi quando cai à realidade,
Lembrei que não havia para onde voltar,
Ela não estaria lá, me esperando em casa,
Não havia lugar para qual voltar além da triste lamentação de sua perda.
Virei e vi um centro de fumaça agora mais ao longe,
Notei que ao longe toda aquela podridão tornava-se invisível,
Camuflada meio à fumaça do homem.
Então me aproximei,
Decide rebaixar-me aos mais fúteis níveis.
"Qualquer coisa que faça essa dor parar",
Eu iria tentar qualquer coisa para esquecê-la,
Até mesmo... Esquecer de mim...
Entrei naquela esfera de fumaça e desapareci,
Me perdi, me entreguei,
Esqueci-me para poder esquecê-la...

domingo, 13 de novembro de 2011

UMA CELA DE LÁBIOS

Apenas para mim teus lábios tornam-se prisão,
Prendendo palavras que gritam para serem soltas,
Que gritam para adentrarem meus ouvidos,
Gritam para que essa tua prisão se una a minha.
E eu, com esta minha prisão,
Cujas palavras já se acomodaram em tal cela,
Cujas palavras te olham mas já não se esforçam para fugir.
Eu com esta minha prisão lhe fornecerei a chave,
Com um leve clique de uma língua apaixonada,
Farei de minhas doces palavras um "Abre-te Sésamo".
E já não haverá prisão e nem celas,
Hávera apenas a liberdade de prisioneiros que tanto tentaram fugir,
Mas quando soltos desistiram de gritar aos céus o que gritavam aos tetos,
Desistiram de unir a liberdade deles com a minha.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O SOL NA SUA JANELA

Em uma longínqua janela,
Reflete em minha face uma intensa luz amarela,
Luz proveniente de um Sol refletido,
Lembrando-me que dentro deste quarto, ainda vivo.
Mas porque de tantas janelas e tantas casas,
Há de refletir o Sol logo naquela janela,
Pertencente à minha doce anja sem asas,
De todas as mulheres a mais bela.
O quão irônico vem de ser o acaso,
Lembrando-me tal belo fato,
Que ali onde reflete o Sol,
Há uma mulher que brilha mais que um farol,
Brilha mais até que o próprio Sol.
Mas de tão irônico que é o acaso,
A distância e o reflexo me impedem de fitá-la,
Mas jamais haverá distância que me impeça de amá-la.
Ah, como eu queria vê-la em sua doce rotina,
Lendo livros ou fazendo faxina.
Ah, tal graciosidade me fascina,
Mas infelizmente, esta é minha sina,
Para sempre fitar o que não posso ver,
Ver quem não posso amar,
Amar quem não posso tocar,
Tocar quem não irá me satisfazer,
E me satisfazer com quem não vai me amar.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

A FLOR

Leve-a contigo para onde for,
Carregue-a sempre em seu coração,
Cuide bem desta flor,
Que fiz com minhas próprias mãos.

Esta flor não tem espinhos,
Não irá lhe machucar,
Nesta flor só há carinhos,
E memórias a desabrochar.

Você jamais verá esta flor murchar,
Jamais verá esta flor morrer,
Para sempre esta flor viverá,
Basta você fazer acontecer.

Esta flor não precisa se alimentar,
Pois é como meu amor por você,
Estará sempre lá,
Independentemente do que acontecer.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

A DANÇA DOS MORTOS

Não diga adeus se não estou me despedindo,
Não há nada para se argumentar,
A decisão já foi tomada,
Já fomos enterrados.
Nesta dança eu danço sozinho com o esqueleto de nós dois,
Pisando nas poças d’água que antes me afogavam.
Você sabe que tive todos os motivos do mundo para desistir,
Mas um único motivo me fez ficar, o meu amor por você,
Mas agora não há mais o que salvar,
Este ciclo deve ser quebrado,
Ele já não pode continuar.
“Se a gente não morresse você acabaria por me matar”,
Foi o que você disse naquela noite de luar,
E você sabe que eu não suportaria tal culpa,
Em mim ela há de corroer as mais fundas estranhas.
Você tem tanto medo de não ser única, querida,
E eu sempre me comparando àquelas peças perdidas do seu quebra-cabeças,
Saiba que você sempre será única,
Mas desculpe se tivemos que morrer assim, querida,
É uma vergonha aos espectadores,
Eles esperavam um final feliz.
Você ainda visita aquele túmulo nas noites de carência,
Tentando em vão desenterrar o que não tem caixão,
Violando nosso túmulo e meu cadáver,
Você pensa estar me revivendo,
Mas só há um vazio em mim,
Não há mais o que salvar.
Eu sigo dançando com o espírito de nós dois.
Desculpe retirar mais uma peça do seu quebra-cabeças,
Mas era uma peça tão pequena e desgastada,
Fazia com que o resto do seu retrato inacabado ficasse triste.
Venha comigo minha querida,
Lágrimas não devolvem os mortos à vida,
Já não há o que salvar,
Vamos nos deitar no nosso túmulo,
E quem sabe um dia, ressuscitar.

domingo, 6 de novembro de 2011

CAMINHOS NÃO ESCOLHIDOS

Eu jamais planejei que tudo fosse assim,
Não tava nos meus planos você desistir de mim,
Não sei porquê dizer adeus é tão difícil,
Essa dor, esse vazio,
É quase como pular de um precipício.
Não foi o que escolhi para nós querida,
Mas a cada briga e má escolha,
Criava-se uma nova ferida,
Até chegar ao ponto em que não dava pra continuar.
Por favor, tente não me odiar,
Você sabe o quanto eu fiz para não parar de te amar.
Eu morreria se fosse pra você parar de sofrer,
Mas eu também não posso ficar sem te ver,
Eu também não posso ficar com você.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

RECIPROCIDADE MUDA

Ele espera por Ela,
Ela espera por Ele,
Ele é tímido demais para contar,
E Ela, orgulhosa demais para dizer.
Que triste, pois aos dois só resta se lamentar,
Pois jamais irão saber,
Que entre os dois há tão recíproco sentimento,
Que tenta escapar a cada momento,
E que tão intensamente eles tentam silenciar.
É realmente triste, pois os dois se amam tanto,
Mas por medo, ninguém tenta se pronunciar,
Assim nenhum dos dois um dia desconfiará,
Que um já amou o outro, mas ambos cansaram de esperar.