Chico era um senhor por volta dos seus cinquenta anos, era engenheiro - não um sucesso, não um fracasso - ganhava um bom dinheiro, mas era um engenheiro qualquer, destinado a trabalhar sem brilho numa rotina angustiante, apenas como mais um. Chico também era cristão, cujos dogmas e doutrinas ele não segue, mas ele diz ser cristão, pois ele reza, ele agradece à Deus tudo de ruim que da certo para ele.
Chico chega do trabalho todo dia cansado, faz o sinal da cruz para a estatueta de jesus pregado na cruz e esta, pregada na parede. Ele beija sua mulher, ignora a ausência dos filhos que ela é incapaz de lhe dar e vai se deitar. Sim, Chico é casado. Ele brada com orgulho: "Sou homem casado", é o que diz para quase todos. Mas em 14 anos de casamento já teve diversas mulheres. Número esse que ele conta apenas para os amigos mais próximos, é claro que ele sabe ao certo quantas mulheres já teve, afinal, como poderia ele não conseguir contar uma simples sequência numérica? Foi sempre isso pra ele, números, números para comparar com os amigos, algo como um troféu invisível, ou melhor, intocável. Era apenas na imaginação dele.
Chico não sabe porque a vida lhe fora tão injusta, lhe dera uma mulher incapaz de gerar filhos. "Oh, Destino cruel", bradava ele aos céus. Ele se perguntava o que ele havia feito de tão errado pra merecer isso, como se fosse tudo um jogo de dar e receber. E mesmo que o fosse, como ele pensava ser, ele não respondia a resposta que dera a si mesmo, ninguém sabe se ele sabe responder, ou se tudo que ele fez ele julga ser assim tão normal.
Eu havia encontrado Chico depois de quase trinta anos, havíamos sido colegas na faculdade. Ele era tão digno, era uma pessoa romântica, fiel, tinha seus valores, sempre fora justo. Sempre fora pisado justamente por aqueles que tanto amou. "Oh, Destino cruel", bradei aos céus. "Por quê há de levar a alma de um ser tão bom? Por quê há de esmigalhar os sentimentos daqueles que tanto os conservam?". A vida lhe foi tirando tudo e ele não se opôs, já não tinha forças... Até torná-lo no que é hoje, alguém que grita aos céus as dores que causa por ter gritado demais ao céus as dores que sofreu. E ele faz tudo como se não lembrasse que outrora já havia sofrido, era como se aquile passado jamais tivesse ocorrido.
Ao se deitar, sua mulher sempre vai até ele, conversam de forma gentil e ela sorri como se ele sempre fosse dela, sem saber das sujeitas que aquele homem esconde no bigode. Eles fazem amor e depois dormem, deixando Chico a mastigar suas mágoas em seus sonhos obscuros. No dia seguinte, Chico acorda, toma banho, come, faz o sinal da cruz e agradece mais outra mentira, depois sai para trabalhar.
Oh, que Destino cruel...