sexta-feira, 30 de maio de 2014

CARTAS SOBRE A MESA (PARTE 2)

     "Querido Fábio, não sei onde você está agora ou o que está fazendo, mas espero que esteja feliz. Saiba que sinto sua falta, e não há um único dia sequer em que eu não pense em você. Desculpe se demorei tanto para responder-lhe, mas precisei de muito tempo de luto para que sua memória não me trouxesse lágrimas. Eu tentei, juro que tentei, mas eu mais molhava o papel do que escrevia, Fábio. Sua morte abrira um buraco em minha vida que só será preenchido quando eu morrer e voltar ao teu lado.

     Saiba que nunca me incomodei com Nossa condição social, eu apenas queria você, apenas queria estar lá, vê-lo sorrir, vê-lo viver, vê-lo ser essa pessoa incrível que sempre fora. E eu vi, eu vivi, eu senti na pele e nos olhos cada parte de você. Eu não me arrependo de nada, Fábio, eu apenas lhe agradeço.

     Eu te amei, Fábio, e se há alguém lá em cima Ele é testemunha desse amor. Você foi a única pessoa que esteve ao meu lado, que secou minha lágrimas quando todos haviam partido, que me abraçou e disse que tudo ficaria bem. Você me deu sua casa, sua comida, você me deu você. E eu nunca pedi nada além disso, nunca pedi nada além de você, com suas frases bonitas, sua atitude de querer salvar o mundo, seu coração tão imenso e o nosso sexo apaixonado. Então não se culpe se nossa aliança não tem uma jóia que roube meu brilho, ou se nosso restaurante cinco estrelas era a mesa da nossa casa. Nada disso nunca me incomodou, Fábio. Então não se culpe...

     E se alguém aqui deve se desculpar sou eu. Fui quem não pude dar-lhe os filhos que queria, fui eu quem não ajudava a pôr comida na mesa e ainda desperdiçava brincando de te sujar. Mas acho que nunca vou me arrepender disso... Desculpa também por não estar presente quando você faleceu, eu estava do teu lado e apenas pude dormir, apenas fiquei lá, sendo a inútil que sou, me desculpe, Fábio, me desculpe. Foi uma dor tão grande acordar de manhã e apenas ver que você se fora... E que não estive lá, que não ouvi suas últimas palavras, troquei um último beijo... Eu não fiz nada, Fábio, me perdoe.

     Eu te amei na felicidade e na tristeza, na saúde e na doença, principalmente na doença. Por isso eu sei que quando nos reencontrarmos será tudo belo de novo, Fábio. Porque eu sei que nem a morte nos separará."

segunda-feira, 26 de maio de 2014

CARTAS SOBRE A MESA (PARTE 1)

     "Eu a amei, por Deus, como eu a amei. E eu sei que ela me amou também, eu sei pois ela ficou do meu lado todo esse tempo, eu sei porque ela nunca me abandonou, nunca olhou pra minha condição social, nunca se importou se não tive o dinheiro suficiente pra dar para ela todo o conforto que ela merecia. Sei que ela me amou por cada beijo, por cada abraço, por cada olhar apaixonado depois do sexo.

     Sou um médico e trabalho em uma cidade consideravelmente grande (não vem ao caso citar a cidade e nem o estado), mas trabalho como voluntário para aqueles que não tem condições de pagar um tratamento médico decente. Meus pacientes me pagam com o dinheiro que podem e é apenas isso. Nunca pedi mais que isso, nunca pedi mais que o olhar de satisfação de uma pessoa ao me ver salvar a vida de outra pessoa querida. Nunca pedi mais do que o sentimento de conforto e realização pessoal ao salvar a vida de alguém. Mas como podem imaginar, minha situação financeira nunca fora das melhores...

     E foi em um dia normal de trabalho que nós nos conhecemos. Ela vinha correndo me pedindo socorro pela sua mãe que havia sofrido um acidente... Fiz tudo o que estava ao meu alcance mas, infelizmente, meu trabalho, às vezes, também é pago com o gosto amargo na boca, o gosto da derrota e da culpa. O gosto da inutilidade e da incapacidade de não salvar a vida de alguém, o gosto da realização de que sou apenas um humano querendo brincar de Deus... Ela chorou ao receber a notícia, e como não tinha mais ninguém, foi nos meu braços que ela caiu aos prantos, dizendo que já havia perdido o pai e que agora havia acabado sozinha. Dei todo o conforto que pude, e, graças ao meu sentimento de culpa, mantive contato com ela para me certificar de que estivesse tudo bem.

     E foi assim que nos apaixonamos... Nunca tive dinheiro para dar grandes presentes para ela ou levá-la ao restaurante caro que a agradasse, mas ela nunca pareceu se importar. Ela apenas queria estar comigo. Nossos jantares românticos eramos nós mesmos que preparávamos (em ocasiões especiais era apenas eu), ríamos enquanto cozinhávamos, jogávamos farinha um no outro, nos melávamos, nos beijávamos... Às vezes transávamos ali mesmo e acabávamos esquecendo o jantar... Éramos acima de tudo, felizes... Nunca viajamos para fora do país, e em raras ocasiões consegui dinheiro para alguma viagem fora do estado, mas foi tudo que pude dar-lhe, querida.

     Mas esse sentimento de culpa nunca me abandonou, nunca parei de me culpar por não poder dar à ela o que ela merecia e principalmente por não poder salvar a vida da sua mãe. Mas ela nunca me culpou, ela nunca sequer reclamou do pouco dinheiro que eu botava na mesa, nem mesmo quando a pedi em casamento com um anel de noivado de segunda e disse-lhe:
   
     - Desculpa não poder comprar um anel melhor com uma jóia maior, mas também acho que não faria muito sentido, não importa o tamanho da jóia, você sempre roubaria o brilho dela.

     Ah, Deus sabe o quanto à amei, o quanto fiquei ao lado dela quando descobrimos que ela era incapaz de ter filhos... Ela chorou nos meus ombros e permaneceu cabisbaixa por semanas, mesmo apesar de todos meus esforços...

     - Rita, não se preocupe com essas coisas, eu não me incomodo que não tenhamos filhos, ainda podemos adotar se você quiser... O que me importa é apenas tê-la comigo, por favor, não se culpe, não fique assim...

     Ah, minha querida Rita, me desculpe por abandoná-la agora e te deixar sozinha, eu já estou fraco e sinto que meu tempo está acabando. Te olho agora, sentada ao meu lado nessa cama de hospital e me tranquilizo. Nunca te pedi para que me amasse, nunca te pedi para que sofresse tudo isso por mim, mas mesmo assim você ficou. Mesmo assim você prometeu que nunca sairia do meu lado enquanto eu não me recuperasse, e você realmente cumpriu essa promessa. Me desculpe por não poder cumprir a minha e te deixar assim... Mas saiba que eu te amarei, eu vou sempre te amar, na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza, até que... A morte... Nos..."

quinta-feira, 22 de maio de 2014

SAUDADE

A saudade é sentimento que arde,
Vento a arrancar fios de cabelo toda tarde,
Zelo pelo tempo que o vento não leva,
Por um momento que o tempo guarde.

Monta sua guarda pelo que carrega,
Guarda a montagem da memória que arde,
Do cheiro do fio do cabelo dela
Que o vento agora arranca há distância de léguas.

Trégua, peço agora com certa ânsia,
Que esse fio de cabelo - de saudade - me espeta.
E espero que o rio seque para uma travessia mansa,
Antes que rios façam-se na minha face branca.

Dança comigo essa dança da saudade,
Meus amigos também dançarão mais tarde,
Pois não tarda a noite à cair,
Como as lágrimas que no escuro vão sumir.

É duro dizer que o Sol já vai brilhar,
Trilhando sua marca no rosto dos que tentaram dormir.
Abro o olho e tento sorrir
Pois sei que o fogo desse Sol à tinir...
Esse fogo que é de saudade...
Ele bate e não queima, mas arde...

terça-feira, 20 de maio de 2014

SOBRE CABOS-DE-GUERRA

À salgar meus olhos,
As lágrimas são espólios
De guerra da saudade.
Bate no peito com orgulho
E mistura essa lágrima
Ao entulho de troféus.
Esconde por baixo de véus
De mentiras toda a lástima
E retira, lágrima por lágrima, escondido,
Pra não se clamar pela saudade, vencido.