"Eu a amei, por Deus, como eu a amei. E eu sei que ela me amou também, eu sei pois ela ficou do meu lado todo esse tempo, eu sei porque ela nunca me abandonou, nunca olhou pra minha condição social, nunca se importou se não tive o dinheiro suficiente pra dar para ela todo o conforto que ela merecia. Sei que ela me amou por cada beijo, por cada abraço, por cada olhar apaixonado depois do sexo.
Sou um médico e trabalho em uma cidade consideravelmente grande (não vem ao caso citar a cidade e nem o estado), mas trabalho como voluntário para aqueles que não tem condições de pagar um tratamento médico decente. Meus pacientes me pagam com o dinheiro que podem e é apenas isso. Nunca pedi mais que isso, nunca pedi mais que o olhar de satisfação de uma pessoa ao me ver salvar a vida de outra pessoa querida. Nunca pedi mais do que o sentimento de conforto e realização pessoal ao salvar a vida de alguém. Mas como podem imaginar, minha situação financeira nunca fora das melhores...
E foi em um dia normal de trabalho que nós nos conhecemos. Ela vinha correndo me pedindo socorro pela sua mãe que havia sofrido um acidente... Fiz tudo o que estava ao meu alcance mas, infelizmente, meu trabalho, às vezes, também é pago com o gosto amargo na boca, o gosto da derrota e da culpa. O gosto da inutilidade e da incapacidade de não salvar a vida de alguém, o gosto da realização de que sou apenas um humano querendo brincar de Deus... Ela chorou ao receber a notícia, e como não tinha mais ninguém, foi nos meu braços que ela caiu aos prantos, dizendo que já havia perdido o pai e que agora havia acabado sozinha. Dei todo o conforto que pude, e, graças ao meu sentimento de culpa, mantive contato com ela para me certificar de que estivesse tudo bem.
E foi assim que nos apaixonamos... Nunca tive dinheiro para dar grandes presentes para ela ou levá-la ao restaurante caro que a agradasse, mas ela nunca pareceu se importar. Ela apenas queria estar comigo. Nossos jantares românticos eramos nós mesmos que preparávamos (em ocasiões especiais era apenas eu), ríamos enquanto cozinhávamos, jogávamos farinha um no outro, nos melávamos, nos beijávamos... Às vezes transávamos ali mesmo e acabávamos esquecendo o jantar... Éramos acima de tudo, felizes... Nunca viajamos para fora do país, e em raras ocasiões consegui dinheiro para alguma viagem fora do estado, mas foi tudo que pude dar-lhe, querida.
Mas esse sentimento de culpa nunca me abandonou, nunca parei de me culpar por não poder dar à ela o que ela merecia e principalmente por não poder salvar a vida da sua mãe. Mas ela nunca me culpou, ela nunca sequer reclamou do pouco dinheiro que eu botava na mesa, nem mesmo quando a pedi em casamento com um anel de noivado de segunda e disse-lhe:
- Desculpa não poder comprar um anel melhor com uma jóia maior, mas também acho que não faria muito sentido, não importa o tamanho da jóia, você sempre roubaria o brilho dela.
Ah, Deus sabe o quanto à amei, o quanto fiquei ao lado dela quando descobrimos que ela era incapaz de ter filhos... Ela chorou nos meus ombros e permaneceu cabisbaixa por semanas, mesmo apesar de todos meus esforços...
- Rita, não se preocupe com essas coisas, eu não me incomodo que não tenhamos filhos, ainda podemos adotar se você quiser... O que me importa é apenas tê-la comigo, por favor, não se culpe, não fique assim...
Ah, minha querida Rita, me desculpe por abandoná-la agora e te deixar sozinha, eu já estou fraco e sinto que meu tempo está acabando. Te olho agora, sentada ao meu lado nessa cama de hospital e me tranquilizo. Nunca te pedi para que me amasse, nunca te pedi para que sofresse tudo isso por mim, mas mesmo assim você ficou. Mesmo assim você prometeu que nunca sairia do meu lado enquanto eu não me recuperasse, e você realmente cumpriu essa promessa. Me desculpe por não poder cumprir a minha e te deixar assim... Mas saiba que eu te amarei, eu vou sempre te amar, na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza, até que... A morte... Nos..."