quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

O CONTO DE UM FAROL E UM AMOR

   Estava em uma de minhas viagens quando cheguei numa cidadezinha de interior, a chuva começava a piorar e não haveria jeito de continuar meu caminho. Logo, optei por passar a noite em algum hotel pela cidade. E que noite havia de ser aquela, a chuva carregava tudo com seus ventos fortes e estrondosos, quase como se quisessem limpar aquela cidade, limpar todas as impurezas dos corações negros que habitam em todo o lugar.

   Entrei em um hotel de três andares chamado "Recanto do Caboclo". O térreo servia de bar, um encontro para os habitantes locais. Havia um homem atrás de balcão que parecia ser tanto o barman quanto o gerente do hotel, as prateleiras mostravam algumas poucas bebidas (a maioria parecia ser algum tipo de cachaça barata) e as mesas mostravam algumas poucas pessoas à conversar e beber. O lugar não era muito arrumado: as cadeiras de madeira pareciam um pouco velhas e algumas estavam tortas ou bambas, assim como umas poucas mesas, mas o estabelecimento era bem limpo. O local me lembrava mais às tabernas da idade média do que um simples bar do século XX.

   Falei com o barman/gerente e fiz questão de arranjar um quarto cuja vista desse para o mar. Subi as escadas com minha a pouca bagagem e sentei na escrivaninha do meu quarto. Acendi a fraca luz e pus-me à escrever. Logo os trovões começaram a roncar e relâmpagos podiam ser contemplados com baixa frequência no céu escuro. "Aposto que se não fosse por essa tempestade o céu daqui estaria lindo e cheio de estrelas" - pensei. Meu hotel ficava na parte "alta" da cidade, o que me proporcionava (na minha opinião) uma vista mais ampla da pequena cidade. Eu não podia ver o mar em todos os seus detalhes, mas eu notava os movimentos violentos de suas ondas contra o porto. Notei também algo que me incentivou a curiosidade: haviam dois faróis na cidade, e suas distâncias não eram longas, o que me pareceu, na minha leiga opinião, um grande erro. Deixei-me divagar sobre o assunto e acabei perdendo a concentração no que estava escrevendo. Depois de cerca de uma hora pensando sobre o assunto enquanto tentava continuar minha escrita de onde havia parado, desci para o térreo, cujo barulho de bêbados e copos tilintando em brindes feitos a qualquer coisa ainda permanecia. Perguntei ao gerente o porquê de haver dois faróis na cidade. O bom sujeito me respondeu que era uma longa história, mas o primeiro farol havia sido tornado um patrimônio local e logo foi feito de ponto turístico, então foi feito outro farol para substituí-lo.

   Suspirei... Bebi a melhor cachaça que eles tinham (o que já não era muito boa) e, enquanto rodava o copo vendo aquela última gota girar em torno dele, pedi ao barman para que me contasse toda a história, afinal, meu sono já havia ido embora por completo. E então ele começou...

   "Ah, meu senhor, é uma história muito bonita, o senhor gostará. Há alguns anos, não mais que cinco décadas, vivia um pescador nesta cidade, seu nome era Heitor. Seu barco era o melhor que já havíamos visto (para um barco de pesca, claro), ele sempre pescava em alto mar com uns poucos homens. Seus lucros quase sempre serviam de incentivo à cidade e ele era mais adorado que qualquer pessoa que já pisou nestas terras, mais até que nosso bom prefeito. Era realmente uma pessoa de bom coração, esse Heitor."

   "Um dia ele foi convidado pelo atual prefeito à jantar em sua casa. O pescador, lisonjeado, aceitou o convite logo de cara. E foi neste jantar que ele conheceu Ana Clara, a filha mais velha do prefeito. Ana Clara tinha apenas dezessete anos, enquanto Heitor tinha vinte e cinco. Eles viveram um romance às escondidas até que Ana Clara completasse seus dezoito anos. Todo dia que Heitor ia adentrar o mar para pescar ele se despedia de Ana Clara com um longo beijo e partia, muitas vezes eram viagens de dias e dias e Ana Clara sempre o esperava no porto. Depois de atingir sua maioridade o romance dos dois foi declarado à todos, e com a aprovação do prefeito, os dois se casaram e começaram a viver no farol da cidade. Heitor ia pescar e Ana Clara trabalhava no farol, ela dizia ser a luz guia dele, sempre esperando e guiando a volta de seu amado."

   "Depois de pouco menos de dez anos, surgiu uma tempestade enorme, bem maior que esta que vemos no céu de hoje, senhor. Algumas casas foram derrubadas, a água invadiu a cidade, os trovões gritavam e os relâmpagos mostravam sua ira. Contam que foi nesta noite que Heitor morreu, pois seu barco jamais voltou a este porto... Dias se passaram e ele não havia retornado, as mulheres dos marinheiros que velejavam com ele já haviam aceitado seu infortúnio destino. Mas Ana Clara permanecia todo dia no farol, ela dizia a si mesma que ele apenas demorava demais, mas que ele ia voltar, ele ia voltar para os braços dela e matariam todas as saudades, todo o amor e o medo, implodidos durante uma noite na cama. Mas ele não voltou...

   "No mesmo ano Ana Clara veio a falecer, ficou doente e fraca pela depressão causada pela ausência do marido. Mas ela jamais perdeu a fé, ainda doente e até o último dia da sua vida ela ainda continuava olhando o mar na esperança de que ele retornasse..."

   Eu, que já havia de estar levemente embriagado, limpei o pouco do úmido que se formava em meus olhos e elogiei a bela história. O bom senhor me interrompeu antes que eu pudesse falar algo e acrescentou:

   "Não fique achando que a história terminou. No ano seguinte ao falecimento de Ana Clara foram achados os vestígios do tal barco, e dizem que apenas reconheceram o cadáver de Heitor porque ele se encontrava com um colar de prata amarrado ao pulso, como se o estivesse agarrando, e nele, continha a foto dos dois... Em seu último momento ele apenas pensou em Ana Clara..."

   "A história foi tão comovente que o farol foi promovido a patrimônio local e foi construído outro para substituir sua função. Contam as lendas que o espírito de Ana Clara vagava pelos farol esperando seu amado que nunca chegava..."

   Agradeci a história, paguei o que devia e subi ao meu quarto. Notei que a tempestade se acalmara e olhei pela janela para o farol antigo imaginando toda a agonia da amante que ali havia morrido. Escrevi a história que havia ouvido e pude então dormir para poder continuar minha viagem no dia seguinte.

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