sábado, 19 de janeiro de 2013

AVÔ

Olhando para meu avô eu às vezes até fico a pensar que talvez a velhice não seja tão ruim.
Olho para ele andando com aqueles passos lentos e cansados,
Seus problemas nas articulações, pele, rim ou seja lá o que mais.
Mas principalmente eu olho pro seu problema de audição, de todos seus dons, o maior.
Ele não nos ouve, ele não os ouve.
Nada chega em seu ouvido à menos que ele queira,
Oras, não seria isso uma benção?
Ter toda a confusão e os gritos do mundo silenciados na sua cabeça?
E é exatamente isso que ele faz, se tranca lá na cabeça dele,
Onde ele recita aquelas poesias e ouve aqueles sambas que ele gosta.
Toda vez que me pego olhando-o ele está lá, naquele mundo dele,
Alheio à toda a conversa, à todo o barulho,
Cantando o seu sambinha com tanta felicidade.
Às vezes eu até o pego dando uns passinhos, pegando um ritmo,
Como se todo o samba estivesse à sua volta.
Ele não é nenhum velho débil ou doente, não, ele apenas faz de seus problemas seus dons.
Pois quando ele abaixa aquele muro de surdez que separa o mundo dele da realidade
Você vê o tamanha de cultura que transborda,
Desde suas poesias de Augustos dos Anjos e outros poetas não tão prediletos como ele,
Até seus sambas cariocas daquela época de ouro onde todos se uniam na Lapa para sambar.
Eu o olho e sorrio, penso que se for para me tornar um velho,
Aquilo que mais tenho medo de ser,
Gostaria de ser como ele.
Cheio de cultura, alegre, cantando e dançando uns sambas ou um rock,
E com um problema de audição pra me separar desse mundo que faz tanto barulho.

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