Era uma senhora já de idade, por volta dos seus oitenta anos. Lastimando dolorosamente o fim que já estava próximo. Ela se lembrava de sua "época de ouro" e lamentava pelos velhos tempos, lamentava não ter mais aquela face macia e suave, aquele olhar sedutor ou aquele bumbum firme. "Aaaaaah quando eu era jovem!". Ela repetia sempre essa mesma frase pra si mesma, pois já não havia alguém que a pudesse ouvir, ela perdera todos seus amigos com o seu jeito de ser e recusou todos os homens que um dia a haviam amado.
Agora ela apenas lamenta, presa às lembranças de um tempo de glória onde era feliz e cortejada por todos os rapazes. Onde tantas vezes encontrara o amor... Não, ela não recusava o amor... Ela o convidava para entrar e tomar um chá ou um pouco de vinho, e depois o expulsava pelas portas do fundo. Fora assim com aquele rapaz aos seus dezessete anos... "Qual era o mesmo o nome dele? ... Rafael! Ah sim, o Rafael!" Aquele rapaz dos cabelos loiros que tanto a amava, tanto fizera por ela, e ela apenas fugiu, teve medo do amor. Sim, ela sempre o temeu, pois assim que ela via o sinal do compromisso ela fugia, afinal, ela era jovem, não queria compromisso algum, queria sempre mais e mais, pois ainda havia muito da vida para ser vivido. E vivendo assim acabou como vive hoje... Lamentando não ter aceitado o pedido de casamento do Pedro, o homem do cabelo enrolado que fora seu namorado aos vinte e oito. Lamenta por saber que seria feliz com ele, que teria uma família, talvez alguns filhos.
Ela viveu sempre em torno da própria beleza e juventude que esqueceu que havia algo além disso. Se pôs sempre em primeiro lugar que esqueceu que havia ao menos um segundo, um terceiro, um quarto ou um quinto... No mundo dela, acabou por ser isso, apenas o mundo dela, pois o resto do mundo a havia abandonado. E sua "época de ouro", hoje tornou-se sua época de pó, de doença, de solidão... Falando sozinha e delirando sobre um passado que ela idolatra, que ela acredita ser assim tão glorioso.
Talvez o Alzheimer a tenha feito esquecer que ela não está sozinha porque já não é jovem ou tão bela, mas sim porque fora egoísta, não soube se apegar à realidade da vida ou ao menos a alguma pessoa que a pudesse fazer feliz. E envelheceu acreditando ser jovem, tanto é que aos sessenta e sete rejeitou um senhor que era apaixonado por ela, apenas por ela ter julgado ele velho demais, tão velho ele era que era dois anos mais novo que ela.
Hoje ela lamenta, e culpa o tempo, culpa a vida, mas esquece que a culpa é dela, e que juventude não é dom pra vida toda. Ela lamenta enquanto recebe o soro na sua veia, deitada numa cama de hospital, sentindo falta de uma mão que segure a dela, sentindo falta do calor humano, da carne... Não aquela carne que ela costumava usufruir quando era jovem, mas aquela carne que aquece, que protege e te da segurança. Ela sentia falta agora era do calor corporal de uma mão, não de um corpo inteiro, sentia falta daquele calor que esquenta em todos os momentos, e não apenas na presença.
Mas ela expulsou de sua vida todos os amigos e amores, e se fez assim culpada por estar da forma que está, sentindo falta dos filhos que não teve, dos netos que não tiveram a oportunidade de nascer... "Quem sabe eu reencarne, corrija todos meus erros com outras pessoas, faça tudo certo dessa vez... Ah quando eu for jovem novamente, vou fazer tudo direito, vou fazer tudo direito... Quando eu for jovem novamente, quando eu for jovem novamente..."
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